Olhem para cima: o neonazismo está atuando no Brasil


Floriano Pesaro, sociólogo.

Nesse mesmo espaço abordei, nas duas últimas edições da TRIBUNA, dois riscos internacionais a Israel e a comunidade judaica, de maneira geral: a complacência da comunidade internacional com a crescente capacidade nuclear do Irã e a instabilidade na Ucrânia que ameaça a geopolítica internacional e desafia a influência das potências ocidentais no mundo. No entanto, as ameaças que nos sondam não se encontram apenas em outras águas, há um inequívoco crescimento do antissemitismo e de células neonazistas aqui mesmo no nosso país e, a isso, não estamos dando a atenção devida.

Recentemente, reunimo-nos na Congregação Israelita Paulista para lembrarmos a memória das vítimas do Holocausto, e lá constatamos que o clima era de preocupação. No campo internacional, o Irã – que declaradamente defende a “extinção” de Israel e, portanto, dos judeus, como bem lembrou Mario Fleck em seu irretocável discurso – avançando seu poderio nuclear sob o olhar inerte da comunidade internacional, hoje o governo tirano e autoritário iraniano é a maior ameaça a Eretz Israel.

Já no campo nacional, o presidente da Confederação Israelita do Brasil, Claudio Lottenberg, foi preciso quando chamou atenção para o assunto que quero tratar mais detalhadamente nesse espaço: o aumento de casos de antissemitismo e neonazismo na web brasileira, mas que, por vezes, tem cruzado as fronteiras digitais e se manifestado na realidade.

Desde 2019, pesquisadores sobre os temas do antissemitismo e do neonazismo têm alertado que, especialmente nos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, estão sendo identificados, em crescente número, grupos extremistas e denunciados crimes de apologia ao nazismo e compartilhamento na web de conteúdos antissemitas, racistas e LGBTfóbicos.

Segundo a pesquisadora, Adriana Dias, que acompanha esses grupos desde 2002, hoje há no Brasil 530 grupos extremistas ligados ao culto do ideário criminoso do nazismo e do antissemitismo, o que poderia envolver até 10 mil pessoas. Bastaria apenas uma para que fosse inaceitável que os inomináveis horrores do Holocausto fossem celebrados sobre a memória do povo judaico e de outras populações assassinadas pelos nazistas.

Ocorre que, apesar do trabalho das autoridades policiais brasileiras em coibir e desmantelar esses agrupamentos criminosos, seu mecanismo ocorre de forma sorrateira e recheada de códigos propositadamente utilizados para que não se identifique a prática neonazista.

Tão inertes quanto à comunidade internacional frente aos iranianos, estamos assistindo um crescimento de 270%, entre 2019 e 2021, no número desses núcleos no Brasil, com particular incidência nos estados do sul brasileiro.

Também foi a partir de 2019 que a Polícia Federal passou a registrar um aumento expressivo nas denúncias de apologia ao nazismo: em 2018, a média estava em quatro casos a cada ano, já em 2021 um novo inquérito sobre apologia ao regime de Hitler é aberto a cada três minutos no Brasil.

É fundamental que enfrentemos essa situação de frente sem tergiverses, inclusive indo a fundo, sem desonestidade ou paixões políticas, nas razões pelas quais esse crescimento criminoso está ocorrendo, especificamente, a partir de 2019 e, especialmente, nos estados do Sul do Brasil.

De acordo com a autora do livro “Criminalização da Negação do Holocausto no Direito Penal Brasileiro”, Milena Gordon Baker, o genocídio e os regimes de exceção e extermínio começam, exatamente, com pequenos agrupamentos que atuam de maneira sútil e codificada. A partir daí, tomam força os preconceitos generalizados que terminam por contaminar as esferas públicas e judiciais caçando direitos, quando menos se espera, das populações que são alvos.

Não é possível, no entanto, sermos levianos ao ponto de inferirmos uma ligação direta entre a ascensão de um segmento nacional-conservador, cujas linhas se assemelham ao fascismo, fomentado e cujo apoio dá base social ao fenômeno do qual faz parte o atual presidente da República. No entanto, pesquisadores têm levantado que há coincidências que merecem atenção.

Seja a exaltação dos símbolos nacionais, a prática do negacionismo – seja ele científico ou histórico, até mesmo pela banalização do nazismo enquanto episódio único na História ao tentar classificá-lo no espectro político -, a postura autoritária ou mesmo as constantes ameaças de ruptura com a ordem democrática fazem parte desse arsenal de coincidências entre a corrente política que encontrou sucesso em 2018 e as velhas conhecidas práticas do fascismo europeu.

Há quem diga, e esse ponto é mais preocupante, que a instituição governamental, vitoriosa no bojo desse processo, serve como impulsionadora desse movimento semelhante ao fascismo que vem se disseminando no Brasil. Não por querer, deliberadamente, promover o crescimento de grupos extremistas, mas por ver neles, essencialmente, agentes construtores de uma base eleitoral.

Nesse sentido, pesquisadores costumam lembrar de episódios em que essas coincidências saíram da retórica e se tornaram prática, coincidentemente, nos anos de recrudescimento de grupos neonazistas no Brasil. Mais distante do atual momento, o simulacro de discurso do ministro de propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels, feito pelo então secretário especial de Cultura do Ministério do Turismo.

Em seguida, houve uma saudação, assemelhada à nazista, feita por militares paraquedistas reformados, presencialmente, ao presidente da República, que, por sua vez, não a reprimi. Houve também o gesto feito pelo, ainda hoje, assessor internacional da Presidência da República, tido em investigação da própria Polícia Legislativa como um código de grupos supremacistas brancos dos EUA.

Por fim, a neta do ministro das Finanças de Hitler, Lutz Graf Schwer, cujo partido é conhecido por suas posições extremadas e simpáticas ao antissemitismo, foi recebida com largo sorriso no Palácio do Planalto também pelo atual presidente brasileiro.

A despeito das coincidências apresentadas pelos pesquisadores, temos que enfrentar que existem semelhanças e sinergias entre as trajetórias crescentes de um conservadorismo nacional com facetas fascistas e a proliferação de grupos extremistas e neonazistas pelo país. E, seja qual for a causa, isso deve ser enfrentado já e de peito aberto não só pela honra daqueles que se foram na Shoá, mas por toda a humanidade. Para que nunca mais se repita com ninguém.