Autoridades, convidados, imprensa, platéia presente. Boa noite – e noite de gala – a todos. É um prazer abrir “as cortinas deste palco” para a Sessão Solene que prestará homenagem aos 55 anos de fundação do Teatro Arena.
Da “coxia” dos meus 40 e poucos anos, não fui testemunha ocular dos primórdios da história do Teatro Arena, mas sou admirador do impacto que causou na cultura brasileira. Por sua nova forma de conceber o “teatro nacional”, valorizar a cultura da terra e aproximar o público de grandes clássicos.
Esta aproximação foi conceitual, com a releitura (termo que vocês gostam de mencionar) de peças clássicas, por meio do projeto de “nacionalização dos clássicos”. Mas também houve uma aproximação física: em vez do tradicional palco italiano, os atores representavam num palco em forma de arena, quase sem cenários, em meio ao público. O que estava em cena era a interpretação do ator. Imagina isso nos anos 50! Ou seja, levar o teatro para perto, bem perto, do respeitável público. Uma revolução e tanto para a época, não acham?
Foi revolucionário, sim. E, aqui, leia-se “revolucionário” no sentido positivo, como aquele que introduz novidades ou grandes alterações. O inovador, em contraposição ao conservadorismo da prática do teatro na época.
A pecha de revolucionário não foi dada por mim. Não, nem tenho bagagem cultural para isso. Foi dada pelo grande Décio de Almeida Prado, crítico teatral falecido em 2000 e professor do nosso homenageado José Renato na Escola de Arte Dramática. Segundo ele, a forma de fazer teatro dos meninos do Arena apresentou-se, desde início, como revolucionária. Como negar tamanha definição?
Não tenho pudor em afirmar que o atual teatro moderno brasileiro foi muito influenciado pelo Teatro Arena, quanto a esta nova concepção de teatro, estabelecida, muito em parte, às ideologias dos seus integrantes.
Foi na arena deste Teatro que se construiu um espaço onde os atores podiam arriscar na própria pele uma dramaturgia autenticamente brasileira, como foi a encenação de “Eles não usam Black-tie”, em 1958, de Gianfrancesco Guarnieri.
“Eles não usam Black-tie” foi um marco histórico nos palcos brasileiros. Seja pelo inesperado e prolongado sucesso de bilheteria, seja pela guinada estética e política que significou, ao aproximar teatro e povo, até então separados. No Arena, o público tinha uma proximidade imensa com o espetáculo e algumas vezes podia interagir com os atores, nas cenas.
Abro um parêntese para dizer que pude assistir ao filme Eles Não Usam Black-Tie, baseado na peça, na década de 80, com a talentosíssima Fernanda Montenegro premida por esta atuação. Sua relevância sócio-política possibilitou a conquista de diversos prêmios, dentre eles:
o Leão de Ouro do Festival de Veneza, 1981,
Grande Prêmio do Festival dos Três Continentes, Nantes, França, 1981; e
Grande Prêmio Coral do III Festival Internacional do Novo Cinema Latino-Americano, Havana, Cuba, 1981.
A partir daí, consolida-se no Arena a trajetória de democratização da arte, com o tal projeto de “nacionalização dos clássicos”, destinado a fazer com que peças distantes no tempo e no espaço (como O Melhor Juiz, o Rei, de Lope de Vega, adaptada por Guarnieri, Augusto Boal e Paulo José) fizessem frente a questões brasileiras do momento.
O conteúdo das produções teatrais do Arena são para além de um retrato histórico, mas se constituem em uma nova significação do tema liberdade. Por isso, os dois espetáculos mais célebres do Arena, datados de 1965 e 1967, ambos criados pela dupla Boal e Guarnieri, são: “Arena Conta Zumbi” e “Arena Conta Tiradentes”. São referências do teatro brasileiro.
O “Arena Conta” não ficou restrito a Zumbi e a Tiradentes, dois heróis nacionais. Teve alguns desdobramentos, como um bem popular “Arena Canta Bahia” (em 1965), com baianos novos em cena no palco.
O Teatro Arena foi rapidamente se politizando, na tentativa de dar conta do contexto social e político do país, cada vez mais conturbado ao longo dos anos 60. Portanto, ao conhecer a história do Teatro Arena, adquirimos a consciência do seu papel para a consolidação de uma sociedade democrática. Seus atores, diretores e mesmo funcionários dedicavam-se de corpo e alma a uma paixão por atuar e a uma atuação engajada na transformação da sociedade através da arte.
E foi fazendo arte que o Arena teve grande atuação no cenário político da época. Aglutinou expressivo contingente de artistas comprometidos com o teatro político e social, nos anos mais sombrios de nossa história, nos anos 60 e 70.
Por sua arena passaram revolucionárias idéias teatrais e um corpo de atores de excelência, como Eva Wilma, John Herbert, Paulo José, Dina Sfat, Flávio Migliaccio, Milton Gonçalves, Lélia Abramo, Geraldo Matheus, Myrian Muniz, Juca de Oliveira, Renato Consorte, Nelson Xavier, Raul Cortez, e até mesmo o comediante Ary Toledo, entre tantos outros. Muitos na ativa, seja na telinha da TV, na telona do cinema e nos palcos do teatro. Eles são, definitivamente, parte para sempre deste espetáculo.
De “teatrinho simpático” (como Oduvaldo Vianna Filho uma vez referiu-se ao Arena dos primeiros tempos) a um “possível novo quilombo de Zumbi” (outra definição, em verso, bem a cara de Caetano Veloso, nos anos 60), os poucos metros quadrados do Arena transformaram-se logo num verdadeiro centro cultural, ou melhor, num centro irradiador de cultura para São Paulo e para o país.
Fazer teatro em plena ditadura – e com a repressão atuando como contra-regra – nem sempre traz boas conseqüências. Boal foi preso no começo de 1971, e, lamentavelmente, o Arena não resistiu por muito tempo. O golpe foi quase fatal. Em 1977, o Arena foi adquirido pelo Serviço Nacional de Teatro e, mais tarde, tornou-se o atual Teatro de Arena Eugênio Kusnet, hoje sob a administração da Fundação Nacional de Arte, a FUNARTE.
Mas sua história continua no centro do palco e merece nossos aplausos. Salvas de aplausos! BIS! Bravo!
Por isso, a iniciativa desta Sessão Solene. A homenagem do Parlamento municipal da maior metrópole da América Latina não poderia deixar passar esta data incólume.
Hoje, estão no palco para receber nossas honrarias os homenageados Roger Levy e José Renato, o pai da idéia, o dono do script, o autor deste roteiro chamado Teatro Arena. Ao fundarem o Arena, José Renato e Roger Levy puseram em cena um teatro despojado que priorizava o texto, sem se preocupar com o ênfase ao “espetacular”. Teatro puro, teatro na veia, teatro de primeira.
E o homem não pára. Hoje, José Renato, este paulistano da gema com seus 84 anos, está à frente do Teatro dos Arcos, dirigindo a Casa da Comédia, um núcleo da Cooperativa Paulista de Teatro, que se propõe a dinamizar a prática da arte teatral, em busca de um teatro engajado na discussão de problemas atuais, principalmente pela comédia.
A cidade de São Paulo precisa reverenciar a quem muito fez pela cultura paulistana e brasileira. José Renato e Roger Levy se encaixam perfeitamente nesta categoria, uma vez que levaram o nome de São Paulo aos quatro cantos do país com a idéia revolucionária do Teatro Arena. Aplausos de pé a eles e a todo o elenco que protagonizou a maior e melhor peça do Arena: a arte de representar. Merda a todos nós!