O SR. FLORIANO PESARO (PSDB) –Sr. Presidente, caros colegas e amigos da TV Câmara São Paulo, em primeiro lugar agradeço à nobre Vereadora Marta Costa e ao nobre Vereador Milton Ferreira pela cessão de tempo a este Vereador. Agradeço também ao nobre Vereador Marco Aurélio Cunha que cedeu parte de seu tempo ao Vereador Natalini, proporcionando um entrosamento entre nós.
Sr. Presidente, ocupo hoje a tribuna para tratar de assunto de grande relevância e que tem inspirado grande preocupação entre a maioria dos vereadores desta Casa, que é a atenção às nossas crianças e adolescentes. Em julho deste ano, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – completou 21 anos. Hoje, desta tribuna, dois Srs. Vereadores abordaram o assunto. Porém é importante que entremos em detalhes sobre como o Estatuto vem sendo aplicado na cidade de São Paulo e no Brasil.
Sou militante nessa área há 17 anos. Em Brasília tive oportunidade de implantar um programa federal, o Bolsa-Escola Federal, que em 5.561 municípios do Brasil atendeu a 5,1 milhões de famílias. Por meio de cartões magnéticos repassados às mães – diretamente, sem intermediários e sem corrupção -, 10,7 milhões de crianças puderam ser atendidas por aquele que ficou conhecido como o maior programa de transferência de renda do mundo.
O programa criado no governo Fernando Henrique pelo Ministro Paulo Renato – o maior Ministro da Educação da história deste país – pôde, de fato, universalizar o ensino fundamental, que era o objetivo que tínhamos naquele momento, inscrito não só na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional como também nas Metas do Milênio, visando à construção de uma sociedade mais justa e equilibrada no Brasil. Acreditávamos que, mais do que dar dinheiro, era importante manter as crianças no ensino fundamental, ampliando sua frequência na escola por meio de incentivos para suas famílias, no caso o Bolsa Escola. Também a criação, em minha opinião genial, na época do então Secretário Executivo do Ministério da Educação Barjas Negri, Prefeito de Piracicaba, e também do Ministro Paulo Renato do Fundef – Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental -, que permitiu a virada de páginas da educação quando estimulou os prefeitos a criarem vagas para o ensino fundamental, sendo compensados com recursos financeiros direto do Fundo para Desenvolvimento de Educação, o FDE, para o município. Esse fundo vincula o repasse de recursos à quantidade de crianças matriculadas.
Foram duas ações que considero basilares do PSDB no Governo Federal, que mudaram a história da educação no Brasil e que, evidentemente, os governos que se sucederam surfaram bem nessa onda. Que é bom. Não temos problema nenhum com isso.
É importante dizer que todas essas ações foram tomadas no Governo Fernando Henrique, ações estruturantes que vinham ao encontro do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sem dúvida alguma, com menos blá-blá-blá e mais ação, com menos corrupção e mais ação. Podemos avançar muito no Ministério da Educação e no Ministério do Desenvolvimento Social e, dessa forma, pudemos deixar para o próximo governo as bases de um desenvolvimento social sustentável.
Há alguns dias participei de um importante evento sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Semana da Criança e do Adolescente – 21 anos do ECA, organizado pela Associação dos Advogados de São Paulo. Na oportunidade, tive a honra de compor o primeiro painel dos debates, que se chamava: Políticas Públicas e o Eca. Estudando e me preparando para participar dessa Mesa de alto nível, com advogados, juristas, desembargadores, inclusive a convite do Desembargador Dr. Malheiros, tomei conhecimento dos mais recentes dados sobre Criança e Adolescente no Brasil. Dados preocupantes a despeito de toda propaganda enganosa que temos por parte do Governo Federal.
Entre 2005 e 2010, juízes e promotores de justiça em todo País concederam 33.173 autorizações de trabalho para crianças e adolescentes menores de 16 anos, contrariando o que prevê a Constituição Federal. Até 1999 tínhamos um acréscimo no trabalho infantil, especialmente, no interior do Brasil, na região Norte e Nordeste e centro Oeste, Mato Grosso do Sul, em carvoarias, sisal, trabalho infantil urbano, exploração sexual.
Em 99 promovemos a virada com a implantação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PET. Conseguimos avançar de forma estruturada e organizada junto com a Justiça, na época junto com a Anoreg – Associação Nacional dos Notários e Registradores do Brasil Cartórios -, para que pudéssemos avançar na concessão da certidão de nascimento a muitas dessas crianças que nasciam pelo interior do Brasil. Chegamos em 93 com uma grande diminuição, quase 40% do número de crianças que trabalhavam no Brasil.
Durante o Governo do Presidente Lula, esse número voltou a aumentar, evidentemente, é uma questão de prioridade política. O que mais me preocupou não foi só que o número absoluto voltou a aumentar, de crianças trabalhando no Brasil. O que mais me preocupa é que a sensação de que esse assunto não era uma prioridade contaminou outras esferas de poder. A mobilização política que o Chefe da nação fazia – na época, o Presidente Fernando Henrique – deixou de lado, no Governo do Presidente Lula, a questão do trabalho infantil. E é por esse motivo e não por outro que as forças que estavam mobilizadas junto ao Conanda e a outros órgãos estaduais e municipais de proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes deixaram de ter a mesma força, o mesmo papel e a mesma prioridade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, que completou 21 anos neste ano, foi o maior avanço conquistado por nós, brasileiros, no sentido de definir a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, já que antes não existia essa mentalidade.
Conquistado a duras penas, dois anos após a Constituição Federal de 1988, essa legislação tão importante para o País inaugurou um novo paradigma e contribuiu para a conquista e a consolidação de uma série de avanços dos direitos infanto-juvenis e de políticas públicas nas áreas de assistência, saúde e educação, especialmente do ponto de vista da integração dessas políticas públicas.
Lembro-me do trabalho da Sra. Wanda Engel, Secretária Nacional de Assistência Social, que comandava o Fundo Nacional de Assistência Social quando da criação do Fundo de Erradicação e Combate à Pobreza, em dezembro de 2000, por iniciativa do então Senador Antônio Carlos Magalhães e com a aprovação do Presidente Fernando Henrique, quando conseguimos avançar para um orçamento de 4 bilhões de reais, que foram divididos entre os Programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação, integrando as políticas de educação e de saúde, com os Srs. Ministros Paulo Renato e José Serra. Desta forma, a Sra. Wanda Engel coordenava o combate à pobreza através do Projeto Alvorada.
Cinco milhões de famílias foram beneficiadas por esse programa, entre os anos de 2000 e 2002. Depois, no início do Governo Lula, houve a união de todos os programas, incluindo o Auxílio Gás, resultando no Programa Bolsa Família.
Mas, agora, caros Colegas Vereadores, ao que me parece, estamos simplesmente virando as costas para esse importante instrumento de defesa da criança e do adolescente que é o ECA e para as políticas públicas que foram desenvolvidas a partir desse estatuto jurídico.
Os dados são do Ministério do Trabalho e foram colhidos na Relação Anual de Informações Sociais, RAIS, que é um grande instrumento para a verificação dessas informações. Mais do que o censo, porque a RAIS é anual e o censo é decenal, e, por isso, a RAIS auxilia o acompanhamento dessa questão sobre o trabalho. Baseado na RAIS, fizemos um recorte para tratar do trabalho infantil.
O que extraímos da RAIS nos revela que do total de autorizações, 131 foram para crianças de 10 anos; 350 para crianças de 11 anos; 563 para adolescentes de 12 anos e 663 para adolescentes a partir de 13 anos.
A Justiça paulista concedeu 11.295 autorizações para crianças e adolescentes trabalharem. Em média, são 15 autorizações judiciais por dia. Esses dados foram extraídos da RAIS e, por isso, são tão preocupantes, porque são dados oficiais. Qualquer interessado pode ter acesso a essas informações.
É importante abrir um parêntese: o Brasil assinou a Resolução 137 da OIT, Organização Internacional do Trabalho, a qual proíbe o trabalho a menores de 16 anos. Portanto, isso é proibido no Brasil devido a um acordo internacional. A adesão foi feita pelo País, foi votada pelo Senado Federal e sancionada pelo Sr. Presidente da República Fernando Henrique. Ou seja, o Brasil aderiu à Resolução 137 da Organização Internacional do Trabalho, e criança, no Brasil, não pode trabalhar até 16 anos, salvo na condição de aprendiz de 14 a 16 anos, sendo que tem de estar estudando. Portanto, o adolescente tem de estar aprendendo um ofício no trabalho. Não pode trabalhar por trabalhar entre 14 e 16 anos.
Apesar de a maioria das decisões judiciais autorizarem as crianças a trabalharem no comércio ou na prestação de serviços, há casos de empregados em atividades agropecuárias, fabricação de fertilizantes – onde, evidentemente, terão contato com agrotóxicos -, construção civil, oficinas mecânicas e até em pavimentação de ruas, em empresa terceirizada por pequenas prefeituras. Enfim, não importa, o texto constitucional proíbe que menores de 16 anos sejam contratados para qualquer trabalho – exceto como aprendizes, entre 14 e 16 anos.
Sou veementemente contra o trabalho infantil. Tenho claro que lugar de criança é na escola. Hoje vivemos a era do conhecimento e é evidente que o tempo que a criança gasta trabalhando é um tempo em que não está brincando, não está aprendendo. A criança, nesse caso, perde no desenvolvimento educacional, perde no fundamental cognitivo e humano, perde em lazer, perde na construção da cidadania, perde na condição de garantir um futuro melhor. Perde a criança, perde a família, perde a sociedade brasileira. Todos perdemos quando uma criança está trabalhando.
Quantas vezes, como Secretário de Assistência Social, escutei dos mais velhos, em especial, que haviam começado a trabalhar muito cedo: “Comecei a trabalhar cedo. O trabalho enobrece”. Comecei a trabalhar aos 18 anos, nas empresas de meu pai. Hoje acho que é cedo. Por que acho que é cedo, embora saiba que muitos cidadãos começam a trabalhar mais cedo ainda, com 14, 16 anos? Porque, se no passado o trabalho era de fato o grande caminho do conhecimento e do aprendizado, hoje não é mais. O grande caminho para se alcançar o conhecimento se dá na escola.
Vejam, enquanto no Brasil criamos programas para o primeiro emprego e estimulamos os jovens a ingressarem precocemente no mercado de trabalho, com baixa qualificação – portanto, com baixa remuneração – e na outra ponta, empurrando os mais velhos, os idosos para a aposentadoria precoce, na Coreia do Sul, no Japão, em todos os países de alto desenvolvimento, ocorre o contrário. Os governos dão bolsa para que os jovens permaneçam estudando. Não há programa para o primeiro emprego. O jovem tem de ficar estudando. O Governo paga para o jovem estudar por mais tempo. O jovem faz graduação, pós-graduação, especialização, MBA, mestrado, doutorado, pós-doutorado, vai estudar no exterior. O intercâmbio com o exterior não é visto por esses países como um luxo. Não é como nos séculos XVIII e XIX, quando as famílias mais ricas do Brasil mandavam seus jovens estudarem na Europa porque aqui não havia estudo. Hoje, isso se dá por conta do intercâmbio cultural, tecnológico, de conhecimento.
Por que motivo os senhores acham que a Índia – um dos países mais pobres do mundo, ainda que tenha um alto desenvolvimento tecnológico – exporta todos os anos mais de cem mil estudantes para os Estados Unidos e Europa? Isso se dá pelo intercâmbio cultural, educacional, técnico e tecnológico, pela troca de conhecimento.
Portanto, precisamos rever esse conceito de primeiro emprego. Precisamos estimular o jovem a permanecer mais tempo estudando, nem que para isso os governos tenham de ampliar as linhas de financiamento.
Na cidade de São Paulo, criamos a Política Municipal de prevenção e combate ao trabalho infantil, a Lei 15.276 do ano passado, de minha autoria, que estabelece diretrizes para que o Poder Público consiga prevenir e erradicar o trabalho infantil no Município de São Paulo, que ainda existe, não só nos cruzamentos com as crianças fazendo malabaris, vendendo bala, passando rodinho no vidro do carro, mas também em pequenas confecções, no Bom Retiro, Brás, Pari, Belém, que operam com trabalho infantil ilegal, quando não trabalho análogo ao trabalho escravo.
Por último, Sr. Presidente, quero também destacar a importância do Projeto de Lei 389, que apresentei em 2009 e que já foi aprovado em 1ª votação nesta Casa. O projeto inclui na grade curricular do Ensino Fundamental o estudo do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA nas escolas. É uma medida muito importante que aproxima as crianças e adolescentes de seus direitos. Para termos de fato direitos, antes temos de conhecê-los.
Para garantir direitos é preciso conhecê-los, compreendê-los.
Enfim, nobres Colegas, sei que ainda enfrentamos muitos desafios sociais em nosso país. Por isso, algumas famílias, na esperança de se desenvolverem socialmente e ampliarem a renda familiar, empregam suas crianças. No entanto, não existe uma razão única, o fato é que o trabalho infantil é completamente prejudicial ao desenvolvimento de uma nação e deve ser fortemente combatido. Temos de proteger nossas crianças, o que significa proteger o nosso futuro.
A exemplo do que fizemos em São Paulo – um trabalho muito bem sucedido, em que tiramos 3.500 crianças que faziam malabaris em 180 cruzamentos da Cidade, com base em dados oficiais da Prefeitura de São Paulo – foi possível vermos um conjunto de serviços, produtos que foram oferecidos a essas famílias, como os programas de transferência de renda, Bolsa Família, Renda Cidadã e Renda Mínima. Conseguimos a ampliação de 80 mil para quase 180 mil vagas de pós-escola nos núcleos sócio-educativos, hoje chamados de centros de juventude das organizações não governamentais conveniadas com a Prefeitura. Dessa forma pudemos ter as crianças ocupadas no turno e no contra-turno, fazendo esportes, atividades culturais, atividades lúdicas e reforço escolar. É nisso que acreditamos.
O que fizemos em São Paulo, entre 2005 e 2008, foi impressionante do ponto de vista da garantia do direito dessas crianças e do acolhimento das famílias dessas crianças. Impressionante nos números, mas mais impressionante no resultado. Poucos acreditavam que era possível tirar as crianças dos cruzamentos da cidade de São Paulo e isso nós fizemos, ainda que nos dias de hoje ainda me surpreenda vendo crianças em alguns cruzamentos. E não enxergo mais o trabalho efetivo que a Prefeitura poderia estar fazendo e que já fez, com a campanha “Dê mais que esmola, dê futuro”, para desestimular que se dê dinheiro nas ruas, estimulando a permanência, o ciclo da pobreza que mães, filhos e netos, três gerações de pessoas que pediam esmolas e sobreviviam dessas esmolas, como se isso fosse algo salutar para uma sociedade. Era preciso acolher essas famílias nas suas três gerações, o mais idoso, a mãe e a criança, oferecendo políticas públicas que de fato dessem conta. Foi o que fizemos.
Além disso, Sr. Presidente, é importante que o Poder Público, como um todo e de forma integrada se comprometa com o sistema de garantia de direitos das crianças e adolescentes de forma efetiva. Somente assim poderemos continuar avançando e saber que o futuro será melhor do que o presente.
Muito obrigado.