Artigo – “A Educação e o Desenvolvimento Social na Perspectiva de um Crescimento Sustentável”

“Desde o tempo do Brasil Colônia, carregamos a insígnia do imediatismo político e do improviso na construção de políticas públicas. Planejar o futuro nunca foi prioridade para a maioria dos nossos dirigentes. Nos últimos 30 anos, porém, o País deu importantes passos para a superação da pobreza: o fim da ditadura, a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988 trouxeram a estabilidade política. As eleições diretas iniciaram o processo de superação do patrimonialismo, do clientelismo e do fisiologismo, heranças nefastas da nossa história colonial.

A consumação do regime democrático foi condição sinequanon para o próximo passo, ou seja, a estabilização da economia brasileira promovida durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. FHC foi sem dúvida, um presidente que agiu no presente planejando o futuro. Foi ele quem tornou passado a hiperinflação que por décadas engessou nosso crescimento. A consolidação do Plano Real, a implementação da Lei de Responsabilidade Fiscal e a aprovação do fator previdenciário foram algumas das conquistas que permitiram, a nós, brasileiros, acreditarmos que, no futuro, teríamos a consumação da social democracia. Durante os oito anos de governo FHC, o desenvolvimento social estava atrelado ao desenvolvimento econômico e educacional. O combate à inflação e o foco no ensino básico foram as medidas para o enfrentamento da pobreza.

Compreendia-se que a tríade educação/emprego/renda era a chave para superarmos as desigualdades sociais. As políticas e os programas propos tos apostavam em uma mudança de longo prazo, com lastros fortes (capital humano/social e economia saudável). Destaco algumas medi das que corroboram para tal afir mação: Extinção da Legião Brasileira da Assistência (LBA), a agência conce bida na década de 40, fundamenta da no clientelismo e no assistencia lismo. Operacionalizou as diretrizes promulgadas por força da Lei Orgânica da Assistência Social (1993), ini ciou novo programa de transferên cia monetária a idosos carentes e pessoas portadoras de deficiências físicas – BPC (benefício de prestação continuada), que, em 2002, cobria cerca de 1,5 milhões de pessoas.

Também foram implantadas, em todo o país, as instituições e os órgãos do novo sistema: Conselho Nacional da Assistência Social(CNAS), Fundo Nacional da Assistência Social, os conselhos e os fundos estaduais e municipais. Tais medidas serviram de base funda mental para a criação do SUAS (Sistema Único de Assistência Social). Promulgação, em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que fortaleceu a tendência à descentralização do sistema educacional e modificou responsabilidades em diferentes esferas do poder com a universalização dos ensinos fundamental e médio, que passam a ser responsabilidade dos governos municipais e estaduais, respectivamente. Criação do Fundo Estadual de Manutenção e Desenvolvimento do Ciclo Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que incentivou contribuições fiscais nos municípios na educação pré -escolar e fundamental, impedindo que autoridades estaduais e municipais obstruíssem o desenvolvi mento da educação local. O Fundef fortaleceu o compromisso dos municípios e dos estados com a educa ção de forma que, em 1996, contabilizávamos 37, 2% de matrículas efetuadas e, em 2000, esse número saltou para 51%.

Criação, em 1998, do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), primeira ferramenta de avaliação implementada no País para monitorar o desempenho dos estudantes ao fim da escolaridade básica. Implementação, em 2001, do Programa Bolsa Escola, política social inovadora que condicionava a transferência de renda à entrada e à permanência na escola de crianças de famílias pobres. Ampliação das vagas de ensino técnico e tecnológico com o PROEP (Programa de Expansão da Educação Profissional). Criação do Financiamento Estudantil – FIES, para financiar a expansão do ensino superior para alunos carentes em substituição ao CREDUC (Pograma de Credito Educativo). Apesar dos inúmeros desafios, até 2002 estávamos no caminho certo, rumo a universalização do ensino no país. Gradativamente, dávamos passos para uma sociedade mais equânime e democrática. Entretanto, a eleição de Lula, em 2003, mudou o rumo, mudando as prioridades de investimento público na área do desenvolvimento social.

Na Carta ao Povo Brasileiro, escrita por Lula na tentativa de apaziguar o mercado financeiro enquanto concorria às eleições, lemos: “Há em nosso País uma poderosa vontade popular de encerrar o atual ciclo econômico e político”. Nos oito anos de governo Lula, assistimos ao gradativo desmantelamento dos marcos estruturais dos programas sociais concebidos pelo governo FHC. E, nos quatro anos do governo Dilma, foi ainda pior: assistimos, usando a expressão do jurista Hélio Bicudo, à consumação de uma “cleptocracia” no Brasil. Lula governou em período que a economia mundial esbanjava crescimento: o PIB mundial em 2005 foi U$ 33 trilhões, saltando para U$ 60 trilhões em 2008. Terminou seu segundo mandato com uma altíssima popularidade (83% dos brasileiros avaliaram sua gestão como ótima ou boa). Era o momento para conduzir as reformas estruturais e educacionais necessárias para tornar o crescimento brasileiro sustentável. Mas o governo em questão voltou as costas para o futuro, apostando em medidas populistas e insustentáveis no tempo. No que se refere ao combate à pobreza, Lula incorporou a metodologia do Programa Bolsa Escola e unificou programas sociais já existentes em um único: o Programa Bolsa Família. Sem dúvida, a estratégia fortaleceu a formação de uma rede protetiva preocupada com a promoção de atendimento integral aos beneficiários. O Programa Bolsa Família aumentou significativamente o poder de compra das famílias brasileiras mais pobres. Entretanto, pouco caminhamos na construção de estratégias que resultassem na promoção da autonomia e protagonismo destas famílias. Tirou-se a educação como condição para a transferência de renda. Em outras palavras, a renda passou a ser mais importante que a educação (ingresso e frequência escolar). E não poderia ter sido diferente, já que o êxito para desenvolvimento social e para a superação da pobreza depende, fundamentalmente, da educação. Alguns números nos ajudam a compreender a razão de o Programa Bolsa Família ter seus resultados centralizados na dimensão do problema renda, pois, concomitantemente ao crescimento de seus beneficiários, não tivemos a melhoria e a expansão dos serviços públicos, principalmente no se refere à educação.

Em 2009, a Fundação Lemann publicou um boletim da Educação no Brasil. Os dados deixam claro a descontinuidade promovida pelo governo Lula. O gráfico aponta que, entre 2000 e 2007, rompe-se a tendência de aumento das matrículas no ensino fundamental e médio, e se observam aumentos significativos das matrículas na pré-escola e no ensino superior. Abandonamos a meta de oferecer educação básica de qualidade a todos. Ignorou-se, também, o ensino médio – técnico e tecnológico – para ampliar assustadoramente o ensino superior. Dados do Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) mostram que o Ensino Superior no Brasil conta com 2.416 instituições de ensino das quais 2.112 são particulares e 304 públicas (federais e estaduais). Apesar da quantidade, em contexto mundial, o Brasil ainda carece de qualidade. Entre as 100 melhores universidades do mundo, listadas pelo Academic Ranking of World Universities, nenhuma é brasileira, enquanto 52 são norte-americanas. Este “salto no abismo” acarretou consequências avassaladoras para nosso País: o Brasil nunca teve tantos jovens formados, porém com um nível de formação abaixo do razoável, fruto, que fique bem claro, do fomento à universidade de baixa qualidade. Criou-se, a partir desta política de governo, um novo grupo de jovens: os “nem-nem”: aqueles, com idade entre 14 e 22 anos, que não concluíram o ensino médio nem conseguem entrar no mercado formal de trabalho. Só para se ter uma ideia dos números, conforme o Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat), a média de conclusão, na faixa etária de 18 a 24 anos, entre os 27 membros é de 79%. Nos Estados Unidos, chega a 89%. No Brasil, conforme a Síntese dos Indicadores Sociais divulgada pelo IBGE em 2010, somente 37% dos jovens de 18 a 24 anos já completaram a etapa.

O País precisa, ainda, ampliar a educação profissional. No âmbito do ensino médio, ela responde por apenas 14% das matrículas ante 77% da Áustria, 58% da Alemanha, 44% da França, 42% da China e 37% do Chile. O ensino e a formação profissionais são fundamentais para a redução das taxas de desemprego entre jovens e, além disso, facilitam sua transição da escola para o mercado de trabalho. Na União Europeia, têm-se procurado soluções para aumentar a atratividade dos programas de ensino profissional e de aprendizagem como alternativa às qualificações do ensino secundário geral e do ensino superior. Em países como a República Checa, a Alemanha e a Áustria, o ensino e a formação profissionais são, de um modo geral, considerados uma proposta atrativa que facilita a transição do indivíduo para o mercado do trabalho, sem a necessidade de cursar um ensino superior. Uma democracia depende, necessariamente, de uma sociedade educada.

Faço das palavras da jornalista Mirian Leitão, as minhas palavras: “Só uma pessoa educada pode escolher voar em todas as dimensões que sua mente desejar, pode realizar todo o potencial que traz ao nascer, pode ser o que quiser ser. É a base na qual cada pessoa constrói o edifício de sua vida. Sem a educação não há futuro para as pessoas, não haverá futuro para o Brasil” (pg, 155). O Brasil despendeu esforços e recursos para começar a trilhar caminhos bem-sucedidos. O êxito obtido até agora, entretanto, não foi obra do acaso. Os governos Lula/Dilma apenas colheram frutos que já haviam sido plantados anteriormente. A implementação do Sistema Único de Saúde (1988) e do Sistema Único de Assistência Social (2005) consumaram uma rede de atenção integral. Ambos se fundamentam em uma rede territorializada de oferta de serviços públicos governamentais e não governamentais.

O SUS e SUAS superaram a construção de serviços e programas afastados da realidade local, permitiram o protagonismo comunitário e o maior controle social. Passos importantes para a superação do fisiologismo e do clientelismo. Desde 1995 demos passos importantes, tais como aumentar a capacidade do país para enfrentar grandes desafios como a modernização do sistema produtivo, o fortalecimento da economia e o avanço na inclusão social. Com a saída do PT do governo federal, volta a esperança. A esperança de “voltarmos para o futuro” investindo na educação básica (ensino fundamental e médio) universal e de qualidade para a real superação da pobreza.”

Revista Instituto Pensando do Brasil. Link: http://pensandoobrasil.com.br/rev…/PENSANDO_O_BRASIL_ED4.pdf

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