AIATOLÁS DEMOCRÁTICOS
Fala-se muito sobre o acordo Irã-Estados Unidos e creio que uma das melhores peças que li é do colunista David Brooks, do New York Times e da PBS, com a qual concordo plenamente.
No decorrer da história recente, vimos os diplomatas ocidentais incorrerem em erros fundamentais por acreditarem que seus oponentes seguiam sua mesma ideologia e pragmatismo. O ocidente acreditou que os interesses econômicos e o bom senso se sobreporiam à religião e à megalomania.
Estadistas não puderam antever que os líderes de 1914 seriam suficientemente imprudentes para afundar o mundo numa Guerra Mundial e que Hitler seria insano o bastante para levar o mundo à Segunda Guerra; que os fundamentalistas fariam sua região retroceder à Idade Média e que os sunitas e xiitas transformariam seus feudos sectários em verdadeiros cenários cataclísmicos.
Barack Obama tem adotado uma postura semelhante nos dias de hoje. Ele tem apostado que o Irã pode se transformar num regime fundamentalmente normal, que pode pensar em priorizar PIB sobre ideologia e religião, e que pode pensar em agir pragmaticamente.
As negociações nucleares com o Irã não são apenas sobre centrífugas; elas impactam todo o futuro do Oriente Médio.
E o presidente Obama deixou claro, através de várias declarações nos últimos anos, como ele vê este futuro.
Obama busca fazer com que o Irã se desacostume do radicalismo da revolução e siga o sistema econômico e diplomático internacional. Ao conseguir um acordo nuclear e suspender as sanções, o Irã ressurgiria como um aliado natural dos Estados Unidos na região. O Irã tem uma classe media que não é tão antiamericana. A integração global fortaleceria os iranianos moderados e daria força a tendência democráticas.
Uma vez dentro do sistema global, O Irã trabalharia para domar o Hezbolá e o Hamas e cooperaria para achar soluções em Gaza, no Iraque e na Síria. Haveria um maior equilíbrio de forças entre os poderes importantes.
Em troca desta cidadania global, o Irã seria mais rico e influente.
Para conseguir esta détente, Obama tem que ter o acordo nuclear. Ele fez uma série de sacrifícios surpreendentes para consegui-lo. Em 2012, ele prometeu que não deixaria o Irã ter seu programa nuclear. Seis resoluções do Conselho da ONU apoiaram esse princípio. Mas, pelo que parece, ele abandonou esta políticas.
Pelo que está sendo relatado, o Irã teria milhares de centrífugas. Todas as restrições de seu programa nuclear seriam temporárias e seriam levantadas no decorrer de uma década aproximadamente. De acordo com alguns relatos, não haverá limites para os mísseis balísticos do Irã, e nenhuma resolução para as atividades armamentistas. O monitoramento e fiscalização seriam confiados a um regime de inspeção que tem sido bom, mas furado.
Nesse meio tempo, os Estados Unidos acabam ofendendo seus antigos aliados, como Israel, Arábia Saudita e Egito, sem ter certeza de que o Irã realmente está disposto a implantar estas medidas. Há também a possibilidade de que os rivais regionais do Irã sintam a necessidade de ter seus próprios programas nucleares e chegaríamos a uma proliferação nuclear.
Tudo isso poderia ser defensível se o Irã estiver realmente disposto a trocar de time, se a religião e a ideologia não desempenhar qualquer papel no pensamento do regime. Mas pode ser que o Irã tenha decidido ser um pária internacional na última geração por um motivo. Pode ser que o Irã financia grupos terroristas e desestabiliza regimes com os do Iêmen e do Marrocos por um motivo. Pode ser que os líderes do Irã realmente acreditam no que falam. Pode ser que os líderes do Irã são paranoicos, têm motivações apocalípticas e são tão dogmaticamente antiamericanos quanto seus discursos sugerem.
Será que queremos realmente um Irã com capacidade nuclear no meio de tudo isso?
Se os líderes iranianos realmente acreditam no que dizem, então a política dos Estados Unidos deveria ser exatamente ao contrário daquela que está sendo hoje exercida. Ao invés de abraçar e enriquecer o Irã, as sanções deveriam ser fortalecidas para isolá-lo e enfraquece-lo. Ao invés de aceitar uma capacitação nuclear, eliminar essa capacidade deveria ser a ação central da política americana. Ao invés de se acamaradar-se com o Irã, que ofende aliados tradicionais como a Arábia Saudita, Egito e Israel, os Estados Unidos deveriam construir uma estratégia regional com estes pilares históricos.
É difícil saber o que está na alma da classe de líderes do Irã, mas uma aposta gigantesca está sendo jogada numa interpretação. Março pode ser um mês desastroso para o Oriente Médio. O Primeiro Ministro de Israel Benjamin Netanyahu pode enfraquecer as relações Estados Unidos-Israel, especialmente com a esquerda democrática. O mundo pode aceitar uma capacitação nuclear iraniana. Esforços empreendidos para amenizar um regime selvagem podem acabar fortalecendo-o e enriquecendo-o.
Floriano Pesaro
Sociólogo e Secretário Estadual de Desenvolvimento Social de São Paulo