Floriano Pesaro, sociólogo.
A História da humanidade, desde que as sociedades foram documentadas, é permeada por desentendimentos, discussões, disputas e, finalmente, conflitos. Contudo, é na capacidade do diálogo e do entendimento que reside a esperança. A nossa jornada como sociedade nos mostra que não teríamos alcançado nosso atual estado de desenvolvimento — com avanços significativos em tecnologia, medicina e as ciências sociais — se estivéssemos num estado conflituoso permanente. Um exemplo desta tese é o Tratado de Westfália, de 1648, que encerrou a Guerra dos Trinta Anos na Europa através do diálogo e marcou o início do sistema de estados soberanos.
Apesar de honroso e fundamental, o diálogo nem sempre é bem quisto num primeiro momento, especialmente em situações dolorosas que suscitam as emoções mais intrínsecas ao ser humano. Voltando no tempo, a história de Moisés, conforme narrada na Torá, especialmente no livro do Êxodo, outro exemplo, ilustra como o diálogo pode ser uma ferramenta poderosa mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras e improváveis.
Crescido com privilégios no seio da família do faraó, Moisés nunca esqueceu suas raízes judaicas. Ao testemunhar a injustiça e o sofrimento de seu povo, optou pelo diálogo persistente e pela negociação ao invés da violência, negociando a libertação dos israelitas com habilidade diplomática.
Moisés negociou com o faraó a saída dos israelitas do Egito. O diálogo entre Moisés e o faraó é marcado por repetidas recusas do faraó em liberar os israelitas, seguidas por uma série de pragas que assolaram o Egito.
Moisés, a mando de Deus, aproxima-se do faraó com a demanda de que os israelitas fossem libertados para adorar a Deus no deserto. A famosa frase “Deixe meu povo ir” resume o pedido de Moisés ao faraó. O faraó, cujo coração é endurecido (uma expressão usada várias vezes no texto para descrever a recusa do faraó em atender ao pedido), nega essa liberdade repetidamente.
Após cada recusa do faraó, uma praga é enviada sobre o Egito. São dez pragas no total, cada uma mais severa que a anterior, afetando desde as águas do Nilo, transformando-as em sangue, até a chegada da morte dos primogênitos egípcios.
Após a décima praga, a morte dos primogênitos, o faraó finalmente cede e ordena que Moisés leve os israelitas para fora do Egito. No entanto, depois de liberá-los, o faraó muda de ideia e persegue os israelitas até o Mar Vermelho, onde Moisés, por intervenção divina, abre o mar para que os israelitas passem, e o mar se fecha sobre o exército egípcio o destruindo.
Estes episódios e a subsequente libertação dos israelitas são centrais para a fé judaica, celebrados anualmente durante a Páscoa judaica, ou Pessach, que comemora justamente a libertação dos israelitas da escravidão no Egito.
Haja vista esta escravidão a qual o povo judeu estava submetido, Moisés poderia ser instado a imediatamente deixar seus privilégios faraônicos e se juntar ao seu povo numa luta armada, que muito provavelmente os levariam a mais sofrimento. No entanto, em vez de optar por métodos violentos ou confrontacionais, Moisés escolheu o caminho do diálogo e da negociação e da fé.
Ele teve coragem de abrir um diálogo firme e persistente com o faraó com habilidade diplomática ao negociar a libertação dos israelitas. Moisés não apenas defendeu seu povo, mas também buscou soluções para alcançar seus objetivos. Seu diálogo com o faraó foi crucial, pois ele procurou convencê-lo a libertar os judeus através de argumentos persuasivos e pragmáticos, ao invés de apenas recorrer à força.
Mais recentemente, a assinatura dos Acordos de Paz de Oslo em 1993, entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), é outro exemplo de como o diálogo pode levar a avanços significativos para a paz, mesmo que esses acordos ainda enfrentem desafios para sua plena implementação.
Recentes declarações políticas têm mostrado como temas sensíveis podem desencadear reações fortes dentro das comunidades. Minha resposta imediata a tais declarações não foge à retidão intelectual e ao compromisso com a comunidade, tampouco visa inflamar mais as tensões, mas reiterar minha convicção na busca pela paz e no diálogo como o caminho para alcançá-la.
É importante reconhecer que a Shoá é um evento único na história, com seu horror e motivações incomparáveis. Qualquer equívoco na comunicação pode levar a mal-entendidos e ofensas profundas.
A Shoá, a eliminação em massa de judeus por um aparato estatal voltado tão somente à aniquilação dessa população, foi um evento único na História, o momento mais abjeto da humanidade, quando a desumanização adubou a barbárie.
Havia uma burocracia estatal voltada à eliminação de uma determinada população com campos de concentração, marcação de pessoas e, até mesmo, rotas ferroviárias exclusivas para transporte de pessoas à morte.
Experimentos pseudocientíficos brutais e câmaras de gás marcaram o momento de maior proximidade dos humanos com o exercício banal do mal.
A oportunidade para o diálogo nunca deve ser subestimada. Mesmo diante de comparações incabíveis de um trauma para toda humanidade, o esclarecimento e a construção de pontes podem levar a um entendimento mais profundo. A história nos mostra que, em muitos casos, a negociação e o diálogo foram fundamentais para resolver conflitos e promover a paz.
Nesse sentido, faculto a mim, como agente político ligado à comunidade de longa data, os predicados para promover o diálogo no lugar da cisão e do dedo em riste.
Enquanto parlamentar, fui representante no Brasil do World Jewish Congress, com o apoio inestimável da Confederação Israelita do Brasil (CONIB), nas pessoas do seu presidente Claudio Lottenberg, do presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo (FISESP), Marcos Knobel, do Daniel Bialski e do parceiro Ricardo Berkiensztat, e pelo amigo Fernando Lottenberg, hoje na Organização dos Estados Americanos (OEA).
Ainda pude deixar um dos meus mais importantes legados para a preservação da memória da Shoá: a Lei 15.059/09, que aprovei como vereador de São Paulo e instituiu no calendário da cidade o Dia Municipal em Memória às Vítimas do Holocausto. Pude, ainda, estar em intercâmbio, com o apoio de Jack Terpins, com a Asociación Mutual Israelita Argentina (AMIA), para preservação da memória dos ataques terroristas em Buenos Aires.
Sem falar de tantas lutas que travei junto aos líderes da comunidade em defesa e na promoção dos nossos valores humanitários e da nossa história.
História esta que é rica em lembranças de como o diálogo, mesmo diante de adversidades, pode ser a chave para resolver conflitos e promover a paz.
A busca por soluções pacíficas, a responsabilização dos que promovem o ódio e a violência, e a promoção de uma convivência harmoniosa são princípios que todos nós devemos valorizar.