É lamentável constatar que as violentas manifestações promovidas terça-feira pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) diante da sede da Câmara Municipal e imediações tiveram como um de seus principais componentes o comportamento irresponsável do prefeito Fernando Haddad, que no dia 26 de março, do alto de um carro de som, incentivou integrantes desse grupo, reunidos em frente à sede da Prefeitura, a pressionar os vereadores a aprovar o projeto de revisão do Plano Diretor para poder atender às suas reivindicações. Raras vezes as instalações de um órgão legislativo – a ação dos baderneiros chegou até o plenário da Câmara – foram alvo de tamanha fúria.
No final da tarde, cerca de 3 mil sem-teto – ou que se pretendem tal -, que já haviam fechado as duas vias de acesso ao Viaduto Jacareí, começaram o quebra-quebra, depois que o presidente da Câmara, José Américo (PT), anunciou o adiamento da votação do projeto. Era a única atitude a tomar, quando se constatou que faltavam os relatórios de cinco comissões – de Saúde, Educação, Transporte, Administração Pública e Finanças.
O líder do governo, vereador Arselino Tatto (PT), discordou da decisão de Américo e insistiu para que a votação fosse feita, o que deixou os ânimos ainda mais exaltados, como mostrou reportagem do Estado. O que se viu a seguir foi uma sucessão de atos de grande violência, mesmo considerando o vandalismo que tem marcado as manifestações desde o ano passado. Os manifestantes, se é que se pode chamá-los assim, atiraram pedras contra o Palácio Anchieta, destruíram as grades que o cercavam e os banheiros químicos instalados na rua e colocaram fogo em sacos de lixo e pneus para bloquear sete ruas.
Ao se darem conta de que os vidros da parte dianteira do prédio do Legislativo são blindados, eles atacaram as janelas laterais, de vidro comum, atingindo as das salas das lideranças do PSDB e do PSB. Um grupo conseguiu entrar no prédio e chegar ao plenário, onde passou a jogar pedaços de madeira, arrancados das galerias, nos vereadores. Dentro da Câmara e fora dela, o que se viu foi uma mistura de violência e bagunça generalizadas.
Já no início da noite, ao perceberem que seus arreganhos não fariam a Mesa da Câmara recuar, os manifestantes foram para a Praça da Sé e, no caminho, repetiram a tática de colocar fogo em sacos de lixo, para interromper a circulação. Os reflexos no trânsito em vias importantes, como as Avenidas 9 de Julho e 23 de Maio, logo se fizeram sentir.
A situação só não degenerou por causa da ação enérgica da Tropa de Choque da Polícia Militar, que usou bombas de gás e de efeito moral e balas de borracha. Essa era a única forma de conter um grupo aguerrido como esse, interessado não na aprovação do Plano Diretor como um todo, mas apenas na parte em que ele permite construções em área que lhe convém. Note-se que, dessa vez, a violência não partiu só de grupos como o Black Bloc, mas do conjunto dos manifestantes.
Tudo isso torna lastimável – para dizer o mínimo – a atitude do prefeito Haddad. Nesse caso, não há como deixar de dar razão ao líder do PSDB, vereador Floriano Pesaro, quando afirma: “Tudo que aconteceu aqui foi fruto de uma irresponsabilidade do prefeito. Ele incitou os manifestantes”.
Afirmar, como o fez o PT, em nota da liderança na Câmara, que a irresponsabilidade foi da oposição, que teria obstruído “o andamento da discussão” do projeto, não é coisa séria. A tramitação foi lenta pela própria natureza do projeto, que trata de questões complexas e importantes e, por isso, exige exame detido.
O que torna ainda mais espantoso o fato de Haddad ter-se comportado dessa forma é que era ocioso o incentivo à truculência para a aprovação do projeto. A importância do Plano Diretor para a cidade é tal que, apesar de algumas divergências, governo e oposição teriam se unido – como se uniram – para aprová-lo em primeira discussão um dia depois da baderna. Mas a cidade pagou um preço alto pela atitude demagógica, inconsequente e irresponsável do prefeito.