Ele fez curso de Filosofia na Universidade de São Paulo (USP), mora em casa própria, diz que vive do salário de professor e lidera invasões de terrenos urbanos pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Guilherme Castro Boulos, de 32 anos, casado com uma sem-teto, pai de dois filhos, nascido em uma família de classe média paulistana, se diz um marxista com a missão de acumular forças políticas para a revolução socialista, intensifica ações urbanas e põe proprietários e mercado imobiliário em alerta.
Com base em sete Estados – mais de 50 mil famílias, 20 mil delas em São Paulo -, Boulos chefiou a pressão que durou sete dias na frente da Câmara Municipal da capital para abrir brecha no Plano Diretor e beneficiar uma dezena de assentamentos do MTST, entre eles o Copa do Povo, em Itaquera, na zona leste.
“Vitória, vitória!”, gritava Boulos ao microfone no alto do carro de som diante da Câmara, convocando os sem-teto para o churrasco de comemoração após a votação da nova lei de planejamento urbano, que vai vigorar pelos próximos 16 anos. Quando o acampamento no Viaduto Jacareí terminou, estava aberta a porta para a tentativa do MTST de obter a posse do terreno da Construtora Viver, dona da área que está coalhada de barracos de lona dos sem-teto desde o dia 2 de maio, a cerca de 4 quilômetros do Itaquerão. Ao descer do caminhão, Boulos quase não conseguiu andar. Cercado, foi abraçado e festejado pelos companheiros.
Criticado por usar a política de invasões de propriedades como forma de pressão, Boulos foi chamado de “fascista à la Venezuela” pelo vereador Andrea Matarazzo (PSDB), em entrevista à Rádio Jovem Pan durante a votação. Matarazzo disse que o movimento age “na base do coquetel molotov, da gritaria e da depredação”.
Para o vereador Floriano Pesaro (PSDB), a atuação de Boulos no País é “inaceitável”. Pesaro diz que já foi procurado por empresas preocupadas com as invasões em São Paulo. Ele ressalta que há hoje 680 imóveis tomados à força na cidade, segundo dados da Polícia Militar. “É um absurdo o que o MTST está fazendo. Isso estimula as invasões e prejudica os investimentos”, alega Pesaro, que estuda projeto para impedir que a Prefeitura use imóveis invadidos em programa de habitação, como ocorre com o Movimento dos Sem Terra (MST). Na Viver, que teve o terreno tomado pelo MTST, a ordem é o silêncio.
Para o vereador José Police Neto (PSD), que é acusado pelos sem-teto de tentar favorecer empreiteiras, o MTST “comemorou uma derrota” para não assumir que perdeu. “Ele não conseguiu o que queria, que era furar a fila”, declara. “O que o Boulos está fazendo é negócio”, diz Police.
Ex-militante estudantil do Partido Comunista Brasileiro (PCB), corintiano, ex-integrante da Gaviões da Fiel, torcedor da seleção de Felipão, Boulos se diz um sem partido. A causa política imediata dele passa por dois espaços bem definidos. O primeiro, assegurar a posse de áreas para o MTST crescer nas periferias de capitais, estendendo a base social do movimento.
A ferramenta para essa expansão é a mobilização por moradia. De olho em terrenos para habitações populares, e usando o programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, como principal fonte de financiamento, Boulos repete nas cidades a prática de pressão que o MST exerceu no campo, principalmente a partir de 1994.
Com especialização em psicologia pela USP, onde entrou em 2000, ele tem bem claro que seu segundo objetivo é bem mais ousado: acumular apoios nas periferias urbanas para a revolução socialista, discurso também encontrado no ideário dos sem-terra.
Filho do médico infectologista Marcos Boulos, que não dá entrevistas sobre ele a pedido do próprio militante dos sem-teto, o líder das invasões urbanas entrou no movimento em 2002, influenciado pelas técnicas de organização popular de líderes como João Pedro Stédile e José Rainha, artífices de centenas de acampamentos de lona preta espalhados em estradas e fazendas que o MST escolheu para reforma agrária nas últimas duas décadas.
Na esteira do enfrentamento rural a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso, o MTST, criado em 1997, passou a ser suporte para mobilização popular nas periferias das grandes cidades. Era o auge da ação dos sem-terra, após o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em abril de 1996, que desembocou na criação do Ministério Extraordinário de Política Fundiária, entregue por FHC a Raul Jungmann, então presidente do Ibama, mais tarde, em 2003, eleito deputado pelo PPS. Boulos, a esta altura, vivia na militância estudantil. Primeiro, secundarista. Depois, na política estudantil na USP.
No ano da primeira eleição do presidente Lula (2002), a vizinha Argentina também passava por delicados momentos políticos e econômicos. E os sem-teto de Buenos Aires estavam em polvorosa. Em junho daquele ano, foram reprimidos pelo governo de Eduardo Duhalde.
Boulos estava em Buenos Aires estudando o assunto. Lá, conheceu piqueteiros do acampamento da ponte Pueyrredón, local da repressão governamental, na divisa da capital com Avellaneda, onde a polícia atacou e matou dois manifestantes, Darío Santillan e Maximiliano Kosteki. Três anos depois, dois policiais, Alfredo Fanchiotti e Alejando Acosta, foram condenados à prisão perpétua pelos assassinatos.
Boulos acompanhou de perto esse episódio e o trabalho de um grupo de psicanalistas argentinos que davam suporte aos sobreviventes e a cerca de 30 manifestantes que ficaram feridos na desocupação da ponte. Ele recorda que foi entre os sem-teto portenhos que se decidiu pela psicanálise, influenciado pelo grupo de lacanianos seguidores de Enrique Pichón-Riviére, fundador do Instituto de Psicologia Social de Buenos Aires. De lá voltou ao Brasil a fim de concluir o curso superior por este viés, em 2006.
“Guilherme tem uma excelente capacidade de articulação e um discurso claro e objetivo”, explica padre Jaime Clowe, religioso que apoia o MTST em São Paulo. “É um líder, um homem dedicado à causa, uma pessoa de vida simples, que merece ser apoiada”, afirma Clowe. Morador do Jardim Ângela, o padre acompanha a operação de Boulos no MTST na região sul e periferia da capital há tempos. Para o religioso, que trabalha com os sem-teto do assentamento Nova Palestina, na região de M’Boi Mirim, onde “8 mil famílias estão acampadas desde novembro”, a “questão da moradia no Brasil é urgente”.
O padre acrescenta que as mobilizações devem ser apoiadas, mas discorda de algumas práticas dos sem-teto. “Sou contra quando fecham estradas e ruas e atrapalham a vida de muita gente”, declara. E conclui: “Mas esse jovem deve ser apoiado na luta”, afirma.
Sozinho. A primeira experiência efetiva de Boulos com os sem-teto ocorreu em um acampamento Carlos Lamarca, em Osasco, invasão ocorrida em 2002, onde ele morou em barracos com os sem-teto. Hoje, morador do Campo Limpo e acumulando 12 anos de militância, Boulos costuma dizer que não faz nada sozinho. E rejeita o papel de herói ou de principal líder do movimento. Ele insiste que as decisões no MTST são tomadas sempre em colegiados. “Há outros companheiros de luta, coordenadores que deveriam ser procurados para entrevistas”, responde, sustentando que, embora atue como porta-voz e negociador do movimento, é contra o que chama de “fulanização de lideranças”.
Na quinta-feira, em audiência judicial no Fórum Regional de Itaquera, onde representava o MTST no acordo judicial com representantes da CDHU, governo federal, Secretaria da Habitação do Município e a Construtora Viver, dona da área do acampamento Copa do Povo, Boulos estava acompanhado por Maria das Dores, coordenadora do MTST.
Os dois já trabalharam juntos na ocupação urbana do Jardim Salete, em Taboão da Serra, que virou condomínio popular projetado para 930 apartamentos de dois e três dormitórios, com 54 m2 e 63 m2, e é usado como modelo de habitação pelo movimento via programa Minha Casa Minha Vida Entidades. O Jardim Salete foi o primeiro, mas o MTST já tem mais 921 unidades planejadas em ocupação em Santo André. / COLABOROU WILLIAM CASTANHO
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