Floriano Pesaro, sociólogo.
“Na última edição da revista da Hebraica, falamos nesse espaço sobre a importância da primeira infância e do pleno desenvolvimento da criança junto à comunidade e à família.
Felizmente, o Brasil tomou para si essa agenda desde a sanção do Marco Legal da Primeira Infância e vem se aprimorando, apesar da desafiadora e crescente pobreza, com políticas públicas e com a mobilização da sociedade civil pelo desenvolvimento integral das crianças em seus primeiros anos de vida.
Nesse sentido, um dos mais importantes aspectos é a relação da criança com sua comunidade e uma escola israelense tem o que nos ensinar sobre isso.
Já se sabe hoje, a partir de uma série de estudos concentrados no Center on the Devolping Child da Harvard University sob direção do professor M.D. Jack P. Shonkoff, que a ativação das atividades neurais a partir de impulsos positivos em crianças nos primeiros anos tem como resultado a pavimentação de caminhos cerebrais que podem levar ao desenvolvimento de características positivas por toda a vida, como a empatia e a melhor cognição.
Uma vez que estamos à frente desse avanço tecnológico e das ferramentas que possibilitam, a partir da cultura do cuidado e dos estímulos que pavimentam a arquitetura cerebral, mudar o rumo de vida de milhões de crianças, seria natural pensarmos que o desenvolvimento infantil nas escolas seria encarado para além da educação formal, mas essa ainda não é a realidade.
Hoje a vasta maioria das escolas brasileiras enfrentam a mais ampla diversidade de desafios, ainda mais quando são estabelecimentos públicos, que vão desde a falta de relacionamento com a comunidade do entorno escolar, passando pela baixa qualificação e remuneração dos professores e chegando, até, na falha ao proporcionar segurança física e alimentar para os estudantes.
Dentre elas, está, também, a percepção do aluno apenas como receptáculo do aprendizado formal sem vê-lo como um jovem ator social com desejos, experiências pessoais e poder de decisão, tal qual sua família e comunidade, que está ávido para, a partir de estímulos, desenhar novos caminhos neurais que lhe renderão habilidades positivas que o acompanharão por toda a vida.
É pensando nisso que trago o exemplo da Escola Democrática de Hadera, que fica na gloriosa Haifa, em Israel. Constituída a partir do conceito da liberdade enquanto elemento pedagógico estruturante de todo o processo educacional, a escola fundada por Yaacov Hecht concebe a educação enquanto um processo em que o aluno se sinta capaz e se veja no alcance de seus objetivos.
Tudo isso com ampla participação democrática dos alunos, da família e da comunidade nas decisões escolares.
Criada em 1987 e tendo sido posteriormente incorporada ao sistema escolar oficial de Israel, a Escola de Hadera nasceu antes dos estudos sobre a importância dos estímulos neurais que baseia a teoria da Primeira Infância, no entanto, visionária, possui uma série de sinergias com o desenvolvimento pleno infantil ao permitir que as crianças se vejam em situações em que suas opiniões são levadas em consideração e seus desejos e aptidões moldam seu processo de aprendizagem.
Cada vez mais, educadores têm convergido para a defesa de uma educação formal que seja flexível e moldável a partir das escolhas e da vivência dos estudantes – o que atingiu o ápice com a aprovação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – mas, que ainda não é comum quando se trata da educação infantil.
É verdade que temos bons exemplos no Brasil de instituições de ensino que encaram seus alunos como atores sociais e, assim, lhes proporcionam experiências transformadoras para toda uma vida. Um desses exemplos ocorre aqui mesmo na Escola Alef Peretz, que, no nono ano, leva os alunos para conhecerem diferentes lugares pelo país que despertam experiências únicas.
Lembro que em 2019, os alunos visitaram Brasília e tomaram conhecimento da dimensão do impacto prático das políticas sociais do Ministério da Cidadania – responsável pelo tema da Assistência Social e, também, da Primeira Infância.
Portanto, imbuídos do espírito da Escola Democrática de Hadera, estabelecida na terra do conhecimento israelense, Haifa, é primordial que coloquemos na agenda pública nacional com cada vez mais ênfase a busca por políticas públicas educacionais que mirem o desenvolvimento humano, tão necessário quanto o conhecimento formal para que nossas crianças sejam bem sucedidas nas novas e complexas relações que se formam no mundo atual.”
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