“As paraolimpíadas, os judeus e a Hebraica
Floriano Pesaro, sociólogo.
No último mês tiveram início os Jogos Paraolímpicos de 2020 no Japão, na cidade do Tóquio, logo após se findarem os Jogos Olímpicos, como é de costume. O esporte é uma das melhores ferramentas de melhoria da saúde, da autoestima e de inclusão social que existem – especificamente.
Quando da sua primeira edição, as paraolimpíadas nem eram reconhecidas por esse nome e nem reuniam diferentes países. Era o ano de 1948 e o evento chamava-se “Jogos Stoke Mandeville” realizado em Londres, na Inglaterra. Aliás, o nome “paraolimpíadas” veio, posteriormente, justamente, porque desde esse momento, a competição voltada às pessoas com deficiência foi realizada paralelamente aos Jogos Olímpicos.
Stoke Mandeville foi estrelada, em seus primeiros anos, por veteranos de guerra ingleses com mobilidade comprometida, competindo no “arco e flecha”. A inciativa – pioneira historicamente ao envolver pessoas com deficiência numa competição esportiva – passou a ocorrer anualmente até que, em 1960, “Stoke Mandeville” ocorreu em Roma, na Itália, sob a alcunha de “Jogos Internacionais Stoke Mandeville”, hoje esta edição é reconhecida pelo Comitê Paralímpico Internacional como a primeira edição dos Jogos Paraolímpicos na História.
E essa ideia inovadora e extraordinária de, através do esporte, proporcionar bem-estar e qualidade de vida às pessoas com deficiência – que à época sofriam ainda mais preconceito e ficavam totalmente às margens da sociedade – foi de um médico judeu que se viu perseguido na Alemanha nazista. Ludwig Guttmann, judeu alemão, nascido no que hoje é a Polônia, foi um neurocirurgião formado em medicina pela Universidade de Friburgo em 1924 e teve uma carreira notável enquanto médico e professor universitário sendo uma das referências nacionais em sua área até que o nazismo começou a ascender na Alemanha.
Perseguido, deixou as atividades de licenciatura e estava com seu emprego e sua segurança e de sua família seriamente ameaçados. Contudo, as capacidades médicas de Guttman eram tão notáveis que os nazistas possibilitaram que viajasse a Portugal para tratar um amigo do Reich. Foi nessa oportunidade que Guttman, com o apoio de uma organização de apoio a acadêmicos perseguidos, pôde estabelecer refúgio na Inglaterra.
Ali, o brilhante neurocirurgião se aproximou de uma missão que acompanhara por toda a vida: tratar das pessoas com deficiência e fazer da vida delas melhor e mais longa. Foi dirigindo o Centro de Lesões Espinhais no Hospital Stoke Mandeville – dai o nome dos primeiros jogos para pessoas com deficiência – que Guttman teve uma ideia que mudaria a vida de tantas pessoas: por que não possibilitar que as pessoas com deficiência de todo o mundo pudessem ter acesso ao esporte enquanto de reabilitação? Guttman foi de perseguido, a acolhido e, finalmente, a acolhedor mudando o rumo da vida de milhões de pessoas com deficiência até hoje.
Mas, a história da comunidade judaica no cuidado e na ampliação dos horizontes das pessoas com deficiência não parou por aí: em 2014, a piscina da nossa Hebraica recebeu atletas de uma competição internacional promovida pelo Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), chamada “Open Paralímpico de Natação”. Foi nessa oportunidade que assistimos o nadador paralímpico Daniel Dias conquistar sua medalha de ouro nos 50 metros costas e Francisco Avelino, também brasileiro, conquistar o bronze.
E essa preocupação da nossa comunidade, em especial da Hebraica, com a inclusão e com a igualdade de oportunidades continuou e teve efeito nos competidores dessa Paraolimpíada de Tóquio.
Samuel Oliveira, de quinze anos, atleta da natação paralímpica, venceu toda sorte de adversidades com a perda de seus braços e se tornou um fenômeno nas piscinas. Contudo, quando se preparava para alcançar a marca necessária que o classificaria para as Paraolimpíadas de Tóquio, a pandemia paralisou as atividades no Centro de Treinamento Paralímpico causando grande apreensão para o preparo do jovem atleta.
Foi, então, que a nossa Hebraica estendeu as mãos e abriu suas piscinas para o brasileiro de alto rendimento durante toda a fase aguda da pandemia e o resultado nos enche de orgulho: Samuel obteve a pontuação necessária para classifica-lo a representar nosso país em Tóquio.
Infelizmente, dessa vez, não nos representou nas Paraolimpíadas em razão de um entrave burocrático, mas tem um futuro brilhante que nos trará muitas alegrias. Por fim, ainda ficamos aqui torcendo pelo Israel Stroh, atleta paralímpico do nosso clube e medalhista de ouro nas Macabíadas Mundiais de 2017, que nos está representando em Tóquio na categoria tênis de mesa.
Só há um caminho para uma sociedade mais justa, humana e fraterna: a inclusão e a igualdade de oportunidades, onde todos possam se ver como sujeitos de direito e realizadores de sonhos. E a comunidade judaica, historicamente, pode se orgulhar de ajudar a tornar essa uma realidade.”