“Há 102 anos, o mundo vivia partes do nosso “presente”Floriano Pesaro, sociólogo.Na sociologia, logo nos primeiros anos do curso, deparamo-nos com uma célebre frase de Karl Marx na publicação “Dezoito Brumário de Louis Bonaparte, 1852”, que assim dizia: “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.
Embora em contexto bastante distinto da ascensão de Bonaparte ao comando francês, estamos diante de mais uma repetição da história ao vivermos a pandemia do novo coronavírus. Há pouco mais de um século, o Brasil – e o mundo – enfrentava outra pandemia conhecida por “gripe espanhola”, embora tenha tido seus primeiros casos detectados no interior dos Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial. Naquele momento e agora, a sociedade teve acesso a uma realidade bastante diferente, mas se comportou de maneira parecida em uma série de aspectos.
Célebres nos livros de História são as capas dos jornais brasileiros à época da pandemia de gripe espanhola que mostravam o terror nas ruas do Rio de Janeiro. O vírus que infectou 500 milhões de pessoas encontrou à época uma realidade mundial bastante diferente da atual.
Havia pouca ou nenhuma informação sobre propagação de vírus e bactérias e, especificamente no Brasil, a rede de saúde pública não existia – diferentemente de ser precária. O único auxílio disponível a quem não pudesse pagar eram as, já superlotadas, santas casas.
A higiene, por sua vez, não era das mais profiláticas e a capacidade de orientar a população por parte dos órgãos públicos era muito limitada num momento em que não existiam as redes sociais e, nem mesmo, a comunicação móvel.
A ciência, por outro lado, encontrava também grau de desenvolvimento muito aquém do atual tornando inimaginável a invenção de vacinas em tão pouco tempo como vemos atualmente.
Fato é que, apesar dos governos tentarem, mesmo no Brasil, algumas medidas de restrição à época, a adesão foi baixa dado a falta de informação e conhecimento e o resultado desastroso. Numa época em que não existia o Sistema Único de Saúde (SUS), as ruas do Rio de Janeiro viram a morte nas calçadas e a paralisia de serviços públicos e privados pela falta de trabalhadores saudáveis.
A reação das pessoas às medidas de restrição tampouco era positiva, como atualmente, mas a gravidade da doença escancarada em suas frentes fazia com que, ao menos, a razão fosse compreendida. Assim como agora, surgiram movimentos que pregavam contra o uso da máscara de proteção alegando ser essa uma restrição de liberdade. Se hoje, com amplo acesso à informação científica, esses movimentos negacionistas levam ao aumento de casos e mortes, pode-se imaginar seus efeitos na época da gripe espanhola.
Outra similaridade que mostra pouco termos evoluído em termos de reação social às pandemias, são os anúncios de remédios milagrosos sem comprovação científica. À época, jornais eram cheios deles o que levava ao aumento de preços e ao sumiço de estoques de produtos como o limão. Aliás, alguns historiadores delegam a uma antiga “fake news” que dizia que cachaça com limão e mel curava a gripe espanhola, a criação da famosa “caipirinha”.
O fechamento de escolas, polêmica que, neste exato momento estamos vivenciando, também fora feito à época o que levou ao Governo Federal determinar a aprovação de todos os alunos independentemente de suas notas até que a situação se normalizasse.
Até mesmo denúncias vistas, agora, durante a crise de saúde em Manaus (AM) de que profissionais de saúde estariam praticando eutanásia para liberar leitos também já teve sua versão em 1918 com boatos do famoso “chá da meia-noite” dado aos doentes nas santas casas que, supostamente, os levavam à morte.
Vários estudos e teses são possíveis comparando a pandemia atual e aquela que afligiu o mundo durante a Primeira Guerra Mundial, dentre elas, acredito eu, está a de que – munidos de conhecimento e tecnologia – não precisamos repetir comportamentos sociais de mais de um século atrás.
Hoje sabemos que o uso de máscaras previne o contágio, que evitar aglomerações é fundamental para frear a transmissão do vírus e de que tratamentos sem comprovação científica custam caro aos cofres públicos e, no máximo, prejuízo à saúde dos pacientes. Não estamos em 1918, mas, infelizmente, você já deve ter visto uma dessas situações, ou todas, nos últimos meses. Aproveitemos as vantagens que nosso tempo nos dá e, juntos, sairemos desse pesadelo e retomaremos nossas vidas.”