“O futuro no presente
Floriano Pesaro, sociólogo.
Neste mês comemoramos uma das datas mais divertidas e regozijantes de todo o ano, ainda mais para quem tem uma pequena ou pequeno em casa: o dia das crianças. Em meio às brincadeiras e aos momentos prazerosos que só elas podem nos propiciar, sempre nos vem à cabeça o que podemos fazer para que tenham um futuro tão bom, ou melhor, do que o nosso, não é mesmo? Pensamos em muita coisa, mas é incomum percebermos que o futuro começa no presente.
Pensamos na escola que pode propiciar o melhor ensino, nos cursos que podem prepará-los e qualificá-los para um ambiente cada vez mais competitivo e, também, em prestar-lhes a melhor estrutura para que se desenvolvam e sejam felizes com segurança. Mas, afinal, se tanto preparo para o futuro começa agora, é verdade também que a criança não está aguardando o final do ensino regular para se tornar a pessoa que tanto desejamos.
A evolução cognitiva e emocional da criança é um processo e se inicia desde seus primeiros dias no que chamamos de primeira infância. Esse é um ramo de estudo da ciência, muito desenvolvido nos Estados Unidos, que se dedica a avaliar os efeitos do ambiente no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças entre os 0 e 6 anos.
Hoje um dos maiores centros de estudo desse tema é a Universidade de Harvard, que presta um curso de liderança executiva em primeira infância, em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, o qual tive a honra de participar e escrever um livro como conclusão dos meus estudos. O que os cientistas descobriram durante décadas de estudos é que os primeiros seis anos de vida de uma criança são os mais importantes para o desenvolvimento dela enquanto cidadã e indivíduo parte de uma comunidade.
Há, inclusive, aqueles que vão além – sempre ancorados nos estudos sobre os quais sugiro à leitora e ao leitor buscarem na rede mundial de computadores com referência ao professor Jack Shonkoff e aos Center for Developing Child/David Rockefeller Center da Universidade de Harvard – e dizem que as experiências, boas e ruins, vividas pelas crianças nessa etapa da vida são delineadoras de como elas desenvolverão suas habilidades cognitivas, características emocionais e seu modo de lidar com o mundo a sua volta.
Cada uma dessas experiências gera um impulso elétrico no cérebro das crianças de modo que, nessa faixa etária, acabam delineando as reações emocionais e os processos cognitivos que tendem a nos acompanhar no restante da vida. E quando falamos de experiências, estamos nos referindo a todas elas: um abraço, os diversos estímulos gerados a partir de brincadeiras, o sorriso e até o “olho no olho”.
Faça você mesmo o teste: olhe bem no olho de alguém, mesmo que seja próximo a você. Te traz algumas sensações? Desconforto ou calma? Tudo isso traduz, segundo essa linha de estudos, como nos relacionamos com o mundo a nossa volta a partir de nossas primeiras experiências.
Há experiências, no entanto, que são mais complexas e recebem pouca, ou nenhuma atenção, dos governos e da sociedade civil, mas que tem um impacto relevante no desenvolvimento das crianças, como a estrutura urbanística das nossas cidades, dos nossos prédios e – por que não? – do nosso clube.
Nesse sentido, a Fundação Bernard Van Leer, criada para desenvolver a política da primeira infância em vários países do mundo, teve uma experiência inspiradora com a Prefeitura de Tel Aviv no âmbito do projeto “Urban95”. A ideia, como toda boa ideia, é simples: tornar as cidades, e o modo de pensar os espaços urbanos, adequados para pessoas de até 0,95 cm de altura – que sejam nossas crianças na média dos seus 3 anos de idade.
A partir de viagens e do compartilhamento da expertise da Van Leer e da Universidade de Harvard, os gestores públicos de Tel Aviv puderem reconhecer que nos detalhes da arquitetura urbana estavam oportunidades únicas para propiciarem o desenvolvimento infantil.
Veja: se parques urbanos tivessem um espaço, como os de pique nique, mas pensados para que pais e filhos pudessem compartilhar momentos de proximidade e desenvolverem atividades divertidas em segurança, essa seria uma boa opção aos finais de semana para as famílias, o que desencadearia num hábito positivo para o desenvolvimento cognitivo e emocional daquelas crianças – que outrora, poderiam estar passeando nos impávidos corredores de centros comerciais.
Isso que foi feito em Tel Aviv e que pode ser feito em qualquer outra cidade, como São Paulo, ou em qualquer espaço público e privado. Como faz nossa Hebraica com seus recentes espaços voltados à interação social, como o Mitzpé, e ao desenvolvimento cognitivo e emocional infantil, como o Espaço Bebê e a brinquedoteca.
Neste dia das crianças, vamos lembrar que o futuro está no presente. Cuidar bem dos nossos filhos é dar-lhes todas as condições para que cresçam com segurança, saúde e felicidade, mas, também, incentivarmos que vivam, desde já, experiências transformadoras que instiguem sua curiosidade, sua cognição e seu amor e respeito pelo próximo.