A essa altura, em meio a um pífio desempenho administrativo, que o faz amargar um dos piores índices de aprovação dos últimos tempos, o que menos se esperava era que o prefeito Fernando Haddad fosse enveredar pelo caminho do empreguismo, um dos mais velhos e condenáveis vícios dos nossos governantes. Pois foi exatamente isso que ele resolveu fazer, com seu pedido à Câmara Municipal para autorizá-lo a criar 800 novos cargos, e dos graúdos – 300 de auditores e 500 de analista de políticas públicas, com salários que vão de R$ 9 mil a R$ 21.438.
Se a proposta for aceita, estima-se que até 2016 os novos cargos acarretarão despesa de R$ 467,7 milhões. Nada mau para um prefeito que vive se queixando da falta de recursos para tocar seu ambicioso programa de obras, formulado num arroubo demagógico para ganhar as eleições.
É claro que, para tornar sua proposta aceitável pelos vereadores e simpática à opinião pública, Haddad e seus aliados vão insistir em suas aparências enganadoras.
Os 300 auditores, por exemplo, teriam um papel altamente moralizador, pois sua função seria fiscalizar os contratos firmados nas áreas de competência das 28 Secretarias e 31 Subprefeituras e verificar anualmente a evolução patrimonial dos 147 mil funcionários públicos paulistanos. Quem poderia se opor a tão nobre objetivo, de defesa da boa aplicação do suado dinheiro dos contribuintes?
Mas nem tudo é o que parece. Esse trabalho já é praticamente todo feito pelos auditores do Tribunal de Contas do Município (TCM), que para desempenhar essa e outras funções de fiscalização da administração municipal conta com orçamento hoje na casa dos R$ 260 milhões anuais.
Se o prefeito acha que o TCM não cumpre a contento suas funções, sua obrigação é sugerir as mudanças necessárias para que isso ocorra. Não criar uma estrutura paralela, de alto custo, cujos cargos – alguém duvida? – poderão acabar nas mãos de amigos e correligionários.
O caso dos 500 analistas de políticas públicas não é muito diferente. A eles caberá, segundo Haddad, a “formulação, implementação, supervisão, coordenação, execução, monitoramento e avaliação de projetos, atividades e políticas públicas”, no âmbito da Secretaria Municipal de Planejamento. Deverão eles, por exemplo, ajudar o governo a formular políticas de ocupação de espaços públicos e iniciativas para a melhoria da qualidade de vida da população.
Deixando de lado a linguagem pomposa e vazia que reveste a proposta, para conseguir o que os tais analistas podem fazer a peso de ouro – e supondo-se, o que não é certo, que isso esteja acima da capacidade dos quadros atuais de administração -, a Prefeitura poderia lançar mão de parcerias com fundações e universidades, como lembra com razão o líder da oposição na Câmara, vereador Floriano Pesaro (PSDB). E faria tudo isso a um custo muito menor e com competência no mínimo maior, poderia ele acrescentar.
Pesaro põe o dedo na ferida é quando afirma que “isso pode abrir margem para o PT fazer um concurso meia-boca com o objetivo de colocar a ‘companheirada’ lá dentro da Prefeitura”. Ele tem razão quanto a isso, mas não no que se refere à criação de 300 cargos de auditores.
Se Haddad estivesse mesmo interessado em melhorar a fiscalização, não apelaria para essa marota estrutura paralela à do TCM, mas tomaria uma medida que se impõe há muito tempo e seus antecessores negligenciaram – o aumento do número de fiscais.
Chega a ser escandaloso que a Prefeitura disponha de apenas 700 agentes para fiscalizar o cumprimento de milhares de leis e regulamentos que disciplinam as mais diversas atividades numa cidade gigantesca como São Paulo. Não admira que quase tudo funcione tão mal na capital, há tanto tempo.
E dizer que o líder do governo na Câmara, vereador Arselino Tatto (PT), ainda tem o desplante de chamar Haddad de “estadista” por causa dessa proposta.