O fim das liturgias dos cargos

Com a aproximação entre representante e representado a partir do avanço das redes sociais no campo político e, consequentemente, eleitoral, a maneira com a qual mandatários de cargos eletivos, e mesmo executivos indicados, procurou aproximar-se em forma e conteúdo do coloquial. Essa busca por estabelecer uma conexão mais fina com “as ruas” está levando, em algumas situações – e nos mais elevados cargos – a situações de flagrante quebra de decoro e abandono da liturgia. Para além do risco ao que podem ser considerados simples ritos, quando há abandono da liturgia do cargo fere-se também a legitimidade e a credibilidade das instituições num Estado Democrático de Direito.

No Brasil o fenômeno que vêm flexibilizando o comunicar-se de mandatários e governos não é tão novo. A partir do primeiro Governo Lula, passaram a ser corriqueiros episódios em que o mandatário maior do Brasil usava termos considerados chulos ou, minimamente, inapropriados para a função que ocupava. Foi a “porteira aberta” para o que viria. Instituições sérias passaram a tratar cidadãos de forma demasiadamente informal, causando até tensões sociais e judiciais. Governos se viram em meio a gafes e polêmicas ao tentar “lacrar” – como se diz na internet – e discursos ou comunicados em tom oficial passaram a soar, já à primeira vista, como falsos.

Após as eleições americanas que emergiram o então verborrágico republicano Donald Trump ao cargo de Presidente dos EUA, o Twitter passou a ser uma espécie de Diário Oficial “não oficial” onde declarações e decisões de importâncias à nível de segurança nacional passaram a ser publicadas, antes mesmo de serem oficializadas. E o pior, muitas vezes em tom jocoso causando gafes diplomáticas graves.

Hoje, em terras brasileiras, com a eleição do popular, então deputado federal, Jair Bolsonaro, à Presidência do Brasil, essa tendência que já existia por aqui desde as bravatas de Lula passou a ganhar contornos ainda mais acentuados. Palavreado simples e chulo com um linguajar duvidável passou a ser sinônimo de credibilidade num claro aceno para a desmoralização das instituições democráticas. Conteúdo antes nunca imaginado publicado por um mandatário foi feito numa rede social.

Declarações ofensivas a determinados grupos são corriqueiras por parte de mandatários nos dias atuais no Brasil. O que começou como uma forma de alinhavar a relação entre representantes e representados avançou os limites do aceitável. Houve, sim, momentos de iniciativas interessantes, como algumas Prefeituras pelo Brasil que inovaram sua comunicação e trouxeram o cidadão para perto. Contudo, sem desrespeito ou quebra de liturgia.

Considerando o nosso esgarçado tecido social, onde as polarizações não acabaram – apenas se mantem com polêmicas diárias acerca até de temas de décadas atrás – esse tipo de comunicação violenta, (des)institucional e, por vezes, desrespeitosa que herdamos da era lulopetista serve apenas para acirrar ainda mais os conflitos sociais e mostrar que nossas instituições passam por um processo de sério descrédito frente à população que precisa ser enfrentado.

Floriano Pesaro
Sociólogo