É fácil compreender o desalento que está tomando conta da sociedade brasileira. Não é preciso esforço para imaginar o que as pessoas sentem ao ver o noticiário sobre a violência, a pobreza, a saúde. Trabalho pelo desenvolvimento social há mais de duas décadas e, apesar de tudo que fizemos até agora, ainda há muito a ser feito para que essas manchetes deprimentes comecem a ser reescritas.
Um trabalho hercúleo, mas não impossível. Na verdade, atrás de cada compilação de dados está a pista para a solução dos problemas que as estatísticas apontam. Como no caso do relatório da Unesco que denunciou a situação de pobreza de seis em cada dez crianças brasileiras. Ao considerar o acesso aos direitos básicos previstos na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente como critério para a mensuração da pobreza, a Unesco colocou debaixo dos holofotes a origem dos problemas que enfrentamos.
Quando estive no Ministério da Educação, com Paulo Renato, no governo de Fernando Henrique Cardoso, criamos o Bolsa Escola, que utilizava a transferência de renda como um instrumento complementar de estímulo à manutenção das crianças e jovens na escola. Os governos posteriores eliminaram essa vinculação, transformando o Bolsa Escola em Bolsa Família, que se baseia no apelo popular de apenas dar dinheiro às famílias mais pobres, como se assim estivessem redimindo o País de todas as suas mazelas. Quem recebeu achou ótimo. Mas agora a conta chegou e são esses mesmos beneficiários do assistencialismo demagogo que a estão pagando.
Renda sozinha não é solução para a desigualdade do País. A própria Unesco reconhece que, sob o ponto de vista monetário, os índices de pobreza até diminuíram no período de dez anos analisados – de 2006 a 2015, com base nos dados do PNUD. O fato é que ao se analisar o acesso aos direitos básicos garantidos por lei no Brasil, os índices pioram muito.
Não basta dar ou transferir renda. É preciso garantir o acesso igualitário aos direitos básicos, como moradia, saneamento, alimentação, educação e informação. Especialmente na primeira infância, quando comprovadamente se desenvolvem as capacidades cognitivas das crianças.
Quando se deixa a infância e adolescência à margem dos recursos necessários ao seu desenvolvimento, nós perpetuamos a desigualdade social. Porque, nas condições atuais, apenas uma parcela pequena da população infantil terá as condições adequadas de se desenvolver e de, portanto, ter um futuro propício. A maioria não será capaz de ascender social ou profissionalmente, ficando relegada às condições de vulnerabilidade que seus pais e avós experimentaram. Terão mais dificuldade de obter renda para seu sustento, mais problemas de saúde, menos condições de colaborar para o desenvolvimento do País.
Foi assim que se criou o círculo vicioso do qual nunca conseguimos sair. Se quisermos progredir, temos de levar o desenvolvimento social a sério, como o fazem os técnicos dos Conselhos de Referência de Assistência Social (CRAS), cujo trabalho nos permite tratar da questão em sua amplitude mais complexa. Temos de compreender, de uma vez por todas, que desenvolvimento social trata de promoção social e não de assistencialismo ou paternalismo. Até porque esta é uma mudança para gerações, e não apenas para quatro anos de governo.