A liderança no green recovery
Floriano Pesaro
“Embora o Brasil esteja ainda imerso em preocupações imediatas com relação à superação do auge da pandemia do novo coronavirus, países europeus e setores do empresariado brasileiro ligados ao agronegócio e à exportação de commodities têm introduzido o conceito do green recovery, ou da recuperação verde, na agenda pública.
Essa estratégia de desenvolvi-mento pautada no papel do Estado como regulador e como investidor prevê a alocação de benefícios fiscais e recursos em atividades que impactem positivamente o meio ambiente entendendo que a crise ambiental que se avizinha será brutalmente maior que o impacto econômico da Covid-19.
O país com a maior porção de floresta nativa preservada, a maior riqueza em biodiversidade e que tem sua economia fortemente pauta-da na exportação agrícola não pode perder, ou se furtar, frente a esse movimento mundial.
A discussão sobre preservação do meio ambiente não é nova para os brasileiros, fomos sede da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento em 1992 (ECO-92) e em 2012 (Rio+20), o que, para além da simbologia implícita, eram efeitos de resultados concretos de diferentes governos – sob distintas vesti-mentas ideológicas – oriundos de esforços pela biodiversidade e desenvolvimento de ações sustentáveis com fortalecimento e independência dos órgãos fiscalizadores.
Contudo, há que se pontuar que, mesmo nesse cenário onde a proteção ambiental ocupava a agenda pública, o Brasil não compreendia a questão ambiental enquanto implícita, ou mesmo ligada de alguma for-ma, ao desenvolvimento socioeconômica e à política econômica propriamente dita.
Essa desconexão começou a ser questionada no ano passado de forma mais acentuada com o questionamento de membros do Governo Federal ao seu próprio instituto de pesquisas, no caso, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), após anúncio de desmatamento recorde na região amazônica.
O diretor do aludido órgão foi desautorizado, desacreditado e, por fim, demitido. Independente-mente das intenções do Executivo, duas mensagens que não corroboravam com nosso histórico de atuação nessa agenda foram emitidas aos infratores da lei e ao cenário internacional: 1) o desmatamento estava, de fato, aumentando; 2) o Governo brasileiro pretendia omitir os dados.
Essa inflexão na nossa trajetória político-ambiental encontrou, ainda antes da pandemia do novo coronavirus, os graves episódios das queimadas sazonais na Amazônia. Não é falso de que elas sejam sazonais, mas no contexto e na dimensão que se deram, serviram de mais um alerta internacional de que o cuidado com a Floresta Amazônica não estava caminhando bem nos trópicos.
De lá para cá, nos deparamos com uma pandemia que paralisou as atividades econômicas e, em países tão desiguais e cheios de incoerências, como o Brasil, expôs uma série de chagas que ficam acobertadas pelo nosso senso de “normalização” do absurdo. Uma dessas chagas foi o efeito das atividades econômicas no meio ambiente.
Verdade que os céus não ficaram mais azuis apenas por aqui, mas – no contexto que estávamos e saídos de uma nuvem de cinzas que fez o dia em noite na capital paulista – esses efeitos imediatos da redução da emissão de gases na atmosfera conectou definitivamente a pauta ambiental à econômica no Brasil.
Esse, sim, movimento inédito.O questionamento que se seguiu em todo o mundo, assolado economicamente pelos efeitos da pandemia sobre a economia, poderia ser resumido, então, à possibilidade de agregar às medidas estatais – sempre elas em tempos de crises sistêmicas – iniciativas econômicas e fiscais que promovam uma recuperação econômica sustentável, green recovery.
Embora não seja esse o objetivo deste escrito, sinto que é necessário, para que a compreensão da urgência desse tema seja mais palatável, materializarmos o que seria essa recuperação verde. Tratam-se de medidas de impacto fiscal ou de investimento por parte do Estado em atividades sustentáveis e que promovam desenvolvi-mento social com preservação do meio ambiente. Alguns deles são: a eliminação dos subsídios para combustíveis fósseis; a supressão absoluta do desmata-mento ilegal na região amazônica e no cerrado brasileiros; e investimentos estatais, ou em parceria com o setor privado, no desenvolvimento ou ampliação de escala de tecnologias, processos, serviços e bens que promovam a integração entre preservação do meio ambiente e desenvolvimento econômico.
Boa parte dessas medidas estão na carta aberta que dezessete ex-Ministros da Fazenda do Brasil publicaram em defesa de uma recuperação, ou ainda, retomada verde considerando o cenário pós-pandemia. Os históricos dirigentes da política econômica brasileira reconhecem, em primeiro plano, que será necessário que a atuação forte do Estado na recuperação da economia continue, e até se amplie, após a pandemia, haja vista o legado de desemprego e insuficiência de renda que deixará para trás.
É justamente nesse ponto, nessa injeção de recursos e benefícios fiscais, que eles acreditam haver uma oportunidade, talvez única, de alinharmos nosso desenvolvimento socioeconômico à agenda ambiental tão malfadada nos últimos tempos.
Ora, se não pela consciência ambiental de que as mudanças climáticas, tal como a pandemia do novo coronavirus afetará a todos nós quanto habitantes desse mesmo planeta, que se dê atenção, por parte do nosso governo central, mas, também, da nossa sociedade como um todo, a essa chance única pelo lado econômico.
O Brasil, por mais que não pareça em seus grandes centros, é extremamente dependente de exportações e seus “clientes” estão decididos, mais do que nunca, a incorporar a pauta ambiental nos seus negócios de forma definitiva. “ É fundamental que o governo interrompa a estratégia de “kill the Messenger”.
É preciso deixar de “matar” aquele que te trouxe a má notícia e passar a focar em mudar a realidade.”
Green recovery não é uma estratégia enviesada ideologicamente de forma alguma, se não do novo capitalismo que nos avizinha e nos impõe.”