Floriano Pesaro, sociólogo
Vejamos uma situação: os pais de uma criança estão descontentes, pelo motivo que seja, com a escola onde o filho está matriculado e frequenta regularmente as aulas. Os pais, então, ao invés de buscar outro estabelecimento de ensino resolvem que, amparados em materiais didáticos, darão, eles mesmos, a educação formal ao seu filho dentro de casa.
Que mal teria nisso considerando que os pais sejam de boa índole? Esse aparente verniz de normalidade esconde uma série de problemáticas de um dos mais recentes perigos para a sociedade e a educação brasileira: o chamado homeschooling, ou educação domiciliar.
A frequência no ambiente escolar é algo transformador na vida de todos nós. Temos, certamente todos, lembranças boas e ruins ocorridas nas salas de aula, corredores e pátios.
Para além dos fundamentais aprendizados que tivemos no período escolar, a nossa vivência com colegas, diretores, professores e demais funcionários do ambiente escolar nos ajudaram a compreender o mundo, mas, principalmente, os “diferentes mundos” em que cada um vive.
Afinal, tudo pode ser visto de ângulos diferentes e cada um, com sua vivência, tem suas próprias lentes para ver esse mundo. Essa noção de diversidade e tolerância nos é apresentada, pela primeira vez, no ambiente escolar e molda nossas vidas como seres, essencialmente, sociais.
Nesse sentido, surge, com mais intensidade em razão da pandemia, uma discussão em torno da educação domiciliar, o chamado homeschooling – disseminado pela primeira vez – na década de 60 – nos Estados Unidos pelo pesquisador John Holt da Universidade de Harvard. Em resumo, a ideia defendida por Holt é a da “desescolarização”, de modo que ele entendia que a educação formal, ou seja, o ensino das disciplinas poderia ser feito pelos pais de maneira menos custosa e mais flexível e dinâmica do que nos bancos escolares.
O que aparenta ser uma tese razoável, na prática, ainda mais em países tão desiguais como o Brasil, se mostrou, onde foi aplicado, problemática e potencializadora de violências e segregações sociais.
Um estudo coordenado pela professora Lisa B. Thorell do Departamento de Neurociência do Instituto Karolinska, na Suécia, avaliou o impacto da prática em sete países europeus e constatou a queda generalizada do desempenho escolar e, ainda mais grave, o aparecimento de sintomas ligados à depressão e outros distúrbios do isolamento social nos estudantes.
Não seria, no entanto, necessário estudo tão aprofundado para verificarmos que isolar uma criança do ambiente escolar tem, ao menos, três impactos imediatos: dificuldades de socialização; estranhamento com a diversidade das pessoas e do mundo; queda na aprendizagem; e, até aumento no caso de violência doméstica e abuso sexual contra crianças e adolescentes.
De acordo com dados de 2018 do Ministério da Saúde, 69% dos casos de abuso sexual contra crianças ocorreram dentro das residências e boa parte deles só pararam porque os professores, em sala de aula, notaram sinais físicos e, ou, psicológicos nas crianças.
É claro, que estes são casos extremos, mas são reais e ocorrem com indesejada frequência. Para além desse tipo de situação, é possível que tenhamos, com o projeto de lei que vem sendo discutido no Congresso Nacional brasileiro, uma geração de crianças e adolescentes que sejam menos capazes de desenvolver empatia com o próximo e que não compartilham nem mesmo a mínima visão de mundo uns dos outros.
A proposta em discussão no Brasil, apesar de exigir formação universitária dos pais e vinculação a uma instituição de ensino, é problemática porque, além de não ser meritória e nem oportuna neste momento do país, carece de critérios. Em Israel, por exemplo, a prática do homeschooling é prevista pelo Ministério da Educação israelense, mas como prática de exceção.
Lá cada pedido de pais que desejam educar formalmente seus filhos em casa é estudado com seriedade, inclusive, considerando um julgamento se os progenitores apresentam uma “visão de mundo bem estabelecida”.
Os israelenses têm, conhecedores dos males do extremismo, que o ensino domiciliar se torne um celeiro de futuros cidadãos que não compartilham dos valores da democracia, do conhecimento e da liberdade do próximo. Nós também deveríamos ter esse mesmo receio.
A escola é lugar de aprender, mas também é lugar de viver e conviver. De criar experiências, do encontro das políticas públicas de diferentes áreas e de proteger nossos futuros cidadãos. “