Amigas e amigos, compartilho para especial leitura e comentários meu mais recente artigo na TRIBUNA JUDAICA sobre a relação entre nossa estrutura democrática e as redes sociais.
“As redes sociais e a legitimidade das instituições
Floriano Pesaro, sociólogo.
A ascensão das redes sociais como as conhecemos certamente se configurarão num marco histórico em uma variada sorte de ciências humanas, em especial, a História e a sociologia. Contudo, tal fenômeno já é reconhecidamente causador, integral ou parcialmente, dos recentes conflitos entre setores da sociedade civil e instituições democráticas.
Cá, no Brasil, nos Estados Unidos, ou mesmo em Israel, assistimos conflitos perigosos advindos, em grande parte, da falta de reconhecimento nas instituições e no regramento jurídico vigente por parte de setores da sociedade que, antes das redes sociais, não tinham voz para expressar sua discordância.
Eis uma sociedade que deteve largo acesso às redes sociais nos últimos anos, fator inexistente quando da formulação de uma série de seus regramentos jurídicos que lhes permitiram acesso a um mundo de informações – e desinformações – e, também, à voz.
Essa sociedade difusamente vocalizada se depara também com um grupo de juízes e políticos que criam e decidem sobre a constitucionalidade de leis, muitas vezes, abstratas que permitem diferentes interpretações. Adiciona-se a esse caldo um cenário bastante polarizado politicamente, de modo que, cada lado, difunde uma variedade de notícias falsas e informações imprecisas.
Qual país lhe vem à mente?
Alemanha, Brasil, Estados Unidos ou Israel?
Algum desses deve ter lhe passado, e com razão.
Ambas essas sociedades estão constantemente em “pé de guerra” com suas instituições democráticas e suas cláusulas pétreas no que parece ser o turbulento encontro entre a representação direta e confusa – proporcionada pelas redes sociais – e a democracia representativa pautada nas instituições do Estado Democrático de Direito.
Se no Brasil não nos faltam exemplos de conflitos entre decisões políticas e judiciais e a percepção de setores da sociedade, em Israel há, neste momento, um grave caso em curso.
Uma das leis básicas do país, semelhantes às constitucionais brasileiras, mas consideradas ainda mais sagradas no sentido de sua manutenção, está sendo questionado por grupos jurídicos há alguns anos que, agora, conseguiram os ouvidos da Suprema Corte israelense.
Trata-se da Lei do Estado-Nação que entende Israel como um estado do povo judeu. A iniciativa da Suprema Corte em realizar audiências públicas para ouvir os argumentos dos grupos que advogam pela ilegalidade da Lei gerou uma onda de revolta em grupos conservadores que alegaram que desrespeitarão a decisão dos juízes, caso decidam por ouvir os argumentos e revogar a lei básica em tela.
A despeito do mérito deste caso, em específico, o que nos resta é que, mesmo em sociedades relativamente coesas, como a israelense, o descolamento causado, em grande parte pelas redes sociais, entre a sociedade e as instituições democráticas é uma realidade que precisa ser enfrentada por ambos os lados.
É cada vez mais preciso e desejável que adotemos o conceito da radicalização da democracia no mundo. Me parece necessário compartilhar com todos como, e por quais razões, as instituições e os ordenamentos jurídicos dos países foram feitos da forma que são.
É preciso explicar para as populações porque a separação de Poderes é necessária e por qual razão o representante de um deles não pode se negar a reconhecer a legitimidade das decisões de outros.
A mesma tese se aplica aos sistemas eleitorais, eles foram forjados por um pequeno grupo de pessoas de alta intelectualidade que não dialogaram e compartilharam os seus porquês. Pode parecer óbvio para uma parcela da sociedade, mas a desinformação e os ataques ao sistema eleitoral só cessarão se as instituições compartilharem com a população, seja rica ou pobre, as razões de sê-lo da forma que é.
Se, por um lado, esse deve ser um caminho a ser percorrido pelas instituições democráticas e seus representantes – sejam juízes, promotores ou políticos –, por outro, é preciso que a população se reconheça enquanto membro de uma comunidade regrada e pactuada.
Estamos todos – alemães, brasileiros, estadunidenses e israelenses – sob a égide de um contrato social que nos rege enquanto sociedade, onde nossas liberdades não podem ser maiores que aquelas dos nossos compatriotas.
Da mesma forma, o exercício das nossas liberdades não pode incorrer no risco de vida dos outros. Em tudo na vida há direitos e deveres, não é diferente no convívio social.
Seja na Alemanha, no Brasil, nos EUA, em Israel, ou em qualquer outro país democrático do mundo, as redes sociais trouxeram a necessidade de uma repactuação do contrato social que nos rege enquanto sociedade.
Essa repactuação deve ser feita com base na ciência, no bom senso, na educação e, acima de tudo, no apego ao regramento jurídico e institucional. Nada fora dos caminhos institucionais pode levar a um bom resultado. É desse esforço, das instituições e dos povos por elas representados, que dependerá a sobrevivência da democracia no mundo.”