“O “B” de Brasil em meio às novas intenções quanto aos BRICS”
Floriano Pesaro, sociólogo.
Os brasileiros que puderam se atentar às notícias internacionais nas últimas semanas – haja vista a abundância de problemas caseiros pelos quais nos vemos rodeados, além de outros novos que estamos criando para nós mesmos – podem ter notado que a Argentina e o Irã oficializaram seus pedidos de ingresso permanente no conjunto de países denominado “BRICS” – acrônimo que reúne, diplomaticamente, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
A alcunha “BRICS” foi criada em 2001 pelo então economista-chefe do banco Goldman Sachs, Jim O’Neil, por meio da publicação de um estudo chamado “Building Better Global Economic> BRICs”, onde o economista defendia que Brasil, Rússia, Índia e China eram as apostas de poderio geopolítico e econômico num contexto de diversificação da ordem mundial “duopolar” representada pelos Estados Unidos e pelos países da Europa Ocidental.
O que começou com uma simples ideia se popularizou num ambiente onde China e Brasil, mais especificamente, figuravam nas páginas da economia e da geopolítica como atores internacionais relevantes com seus chamativos índices de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), papeis em conflitos internacionais e vultuosa mobilidade social de milhões de seus habitantes.
Em 2006, uma reunião entre os chanceleres dos quatro países, à margem da 61ª Assembleia Geral das Nações Unidas, deu o ponta pé inicial para a institucionalização do grupo que conta hoje com uma cúpula anual e com um banco de desenvolvimento – o “New Development Bank“, conhecido também por “Banco dos BRICS” com sede em Xangai, na China.
Já em 2011, na II Cúpula dos BRICs, por força diplomática da China, os quatro países aceitaram a adesão da África do Sul, que fez com que a aliança passasse a adotar a alcunha de “BRICS” com o “S” de “South Africa”. Ali, já se podia perceber que a China tinha planos ambiciosos para a iniciativa.
Com a África do Sul, os BRICS representam hoje 3,2 bi de pessoas (40% da população mundial) e 26% do comércio global de modo que, numericamente, são mais representativos que o G7 – grupo das 7 economias mais industrializadas do mundo, formalmente, mas também conhecido como “grupo dos países ricos” – que, por sua vez, agregam 700 milhões de pessoas (10% da população mundial).Muitos analistas, no entanto, criticam o agrupamento desde sua formação, especialmente, porque há pouca semelhança entre os países que o formam – vide a África do Sul e a China, por exemplo. Mas, o que chama atenção dos especialistas é que as motivações por ali estarem também não são as mesmas entre os membros.
O mundo hoje remonta a um cenário de “desdemocratização”, uma espécie de retrocesso no processo de implantação de democracias liberais, inclusive, com fragilidades em democracias ocidentais consolidadas, como nos Estados Unidos e no Brasil. Nesse contexto, existe um Estados Unidos “pós-Donald Trump” que tenta reestabelecer sua influência mundial após o período voltado à política interna promovido pelo ex-presidente republicano, mas que enfrenta questões internas graves como uma crise econômica de dimensões históricas e uma crescente desigualdade social, que não era característica. Também está posta uma saudosa Rússia que invade a Ucrânia com uma narrativa que deturpa e remonta o nazismo, mas que aspira os limites da antiga União Soviética com um governo forte e antidemocrático.
E, por fim, está uma China que cresceu tanto nos últimos anos a ponto de questionar sua própria capacidade de seguir produzindo riqueza, promovendo mobilidade social e aquecendo a economia mundial ao mesmo tempo que busca manter seu modelo de governo autoritário.
Com os Estados Unidos fragilizados internacionalmente, cujo auge foi a envergonhada desocupação do Afeganistão e com a União Europeia lidando com a imigração de refugiados ao mesmo tempo que tenta manter seus padrões de “bem-estar social”, os chineses passam a ver, então, um momento ideal para reforçarem a presença mundial e fazerem frente à ordem mundial representada pelo G7.É aqui que, há alguns anos, segundo especialistas, a China vê valor nos BRICS – afinal, é um agrupamento que surgiu de maneira orgânica, é representativo em termos populacionais e econômicos e, também, geográficos, uma vez que possui representantes em todos os continentes, com exceção da Oceania. Nesse sentido, foi objeto de surpresa para analistas internacionais saber que Argentina e Irã protocolaram, oficialmente, pedidos de adesão plena à aliança dos BRICS – após o impacto da notícia, soube-se que, como fora com a entrada da África do Sul, a China teve papel, juntamente da Rússia nesse processo, mais uma vez, numa tentativa de expandir seu poderio geopolítico.
É de causar espanto, no entanto, que o intento oficializado do Irã neste grupo tenha ocorrido com relativo silêncio pelas autoridades do Brasil e de Israel, uma vez que se trata de um país que ameaça abertamente a soberania israelense e a comunidade judaica, como um todo. Uma possível entrada do Irã no grupo, portanto, nada mais é do que uma tentativa do regime autoritário iraniano de quebrar seu isolamento por meio de uma aliança internacional com países de peso geopolítico, especialmente, a China.
Ato contínuo, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lijian Zhao, postou em suas redes sociais uma arte, conhecida por “meme”, em que comparava a população representada pelos BRICS e pelo G7 com o seguinte comentário: “Então, da próxima vez que eles falaram sobre “sociedade internacional”, você sabe o que querem dizer”. Trata-se de clara provocação aos países que compõem o G7 e, por outro lado, expõe que, de fato, daqui para a frente a China e a Rússia passarão a utilizar o bloco para fazer frente aos Estados Unidos e a União Europeia, especialmente, no que se refere às ameaças isolacionistas as quais são submetidos pelas ações antidemocráticas e pelas incursões em Hong Kong e na Ucrânia, por exemplo.
Por fim, convém à reflexão sobre o papel do Brasil neste bloco, a maior democracia da América do Sul, que passa, hoje, por uma fragilidade governamental de dimensões históricas e, por isso mesmo, se apresenta como ator coadjuvante nesse processo de mudança de direção nos objetivos dos BRICS.
A política externa brasileira sempre foi pautada pelo pragmatismo e pelo respeito ao princípio da soberania dos povos ditado pela tradição da Casa de Rio Branco – e isso é positivo e vai ao encontro da defesa dos interesses brasileiros.
No entanto, é preciso atenção sobre o compromisso do Brasil com os valores democráticos e com o respeito aos Direitos Humanos, conforme estabelecidos na Declaração Universal. Além do aspecto ideológico e moral, é preciso reflexão sobre as intenções dessa mudança nos BRICS – hoje tratado como tema lateral pelo Brasil, mas não pela China e pela Rússia, como pode ser visto – de uma aliança política para um fórum de contraposição às potências ocidentais.
É preciso, portanto avaliar, justamente pautado nas melhores práticas de Rio Branco, se estar na companhia de países como o Irã num agrupamento, onde a democracia e os Direitos Humanos são assuntos inconvenientes, é mesmo o melhor para o interesse do Brasil do ponto de vista geopolítico e diplomático.”