Floriano Pesaro, sociólogo.
Não é incomum que, neste espaço, vez ou outra, faço alguns paralelos entre Brasil e Israel. Não que os dois países guardem uma extensa lista de similaridades, o que não é verdade. Mas, ambos, bem como outros países, vêm vivenciando situações que se assemelham, especialmente, na política. Enquanto no Brasil, uma coalizão de partidos de esquerda e centro venceram as eleições, em Israel uma coalizão de extrema-direita levou o ex-primeiro ministro Benjamin Netanyahu a um terceiro mandato. Em ambos os casos, há quem ouse não concordar com a vontade popular.
Em Israel, após cinco eleições em apenas quatro anos, Netanyahu recebe um inédito terceiro mandato, mas, desta vez, sustentado por uma coalização de extrema-direita religiosa. Imediatamente depois, grupos de oposição passaram a tratar sua eleição como algo inaceitável ensejando o desrespeito à vontade dos eleitores.
É claro, por assim dizer, que a democracia não é a prevalência absoluta da vontade da maioria, de modo que os governos democráticos têm, cada um na extensão da sua Carta Magna, de garantir a liberdade e os direitos dos grupos cujos representantes não foram bem sucedidos nas eleições. Em Israel, no caso em tela, estamos falando de árabes israelenses e LGBTQIA+, especificamente.
No Brasil, também recebeu um terceiro mandato inédito, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, ancorado numa ampla aliança política, saiu vitorioso das urnas. No caso brasileiro, quem está na outra ponta são partidários do atual presidente, mas, também, eleitores que não viram suas escolhas vitoriosas e, com seus motivos, temem as ações do presidente eleito.
Ambos os cenários têm, vejamos, uma similaridade típica da democracia: os vitoriosos recebem das urnas a legitimidade de governar de acordo com os anseios da população, mas respeitando os direitos de todos. Se em Israel, a população optou por uma coalizão de firme posição religiosa e à direita, é assim que o novo governo de Netanyahu deve se portar, sem, é claro, desrespeitar os direitos dos contraditórios.
Já no Brasil, a população optou por uma coalizão de centro-esquerda com pautas eminentemente sociais, mas de amplitude política. Ou seja, é um desejo popular por um programa nacional de ordem mais prática do que ideológica, que seja mais assertivo na resolução dos problemas da população e menos incidente sobre discussões de costumes ou de outras ordens que não tenham a ver com a melhoria da qualidade de vida.
E, tal qual em Israel, é assim que o novo governo brasileiro deve se pautar em respeito à vontade popular. Tanto lá, quanto aqui, cabe aos que não tiveram suas visões de mundo respaldadas pela maioria eleitoral, que exerçam com afinco e responsabilidade o papel de oposição e que, se assim quiserem, protestem quando julgarem necessário.
O único comportamento que, em ambos os casos, é reprovável e altamente perigoso é o ensaio de uma “não aceitação” do resultado democrático. A este tipo de atitude cabe total repreenda, uma vez que é negador da própria democracia e do Estado de Direito.
Sabe-se que, em tempos de redes sociais, as notícias falsas acabam criando alicerces para moradas que parecem dar consistência a qualquer narrativa que agrade a qualquer grupo, mas a verdade do mundo real se impõe: eleições livres, lá e cá, expressaram as vontades populares dos israelenses e dos brasileiros. Cabe, agora, o respeito e o exercício constitucional do papel de cada parte.