“Floriano Pesaro, sociólogo
Muitos se perguntam por qual razão Pessach é uma das datas mais importantes do calendário judaico. Segundo historiadores, ainda em no ano de 65 e.c. não menos de três milhões de judeus comemoravam a data em Jerusalém. Esta é uma realidade que perdura até hoje, mesmo em tempos pandêmicos, onde cada família encontra sua forma segura de comemorar a libertação do povo de Israel. É, não por acaso, na principal motivação dessa data que reside a dimensão da sua importância. Para o nosso povo, a liberdade sempre foi um pilar fundamental do qual nunca abrimos mão.
Há três mil anos, no antigo Egito, nosso povo era conhecido por “hebreus”, mas sempre nos reconhecemos pelo que somos, filhos de Israel. Um povo que vivia seus costumes, crenças e hábitos sem se impor ou se indispor com qualquer outro. Mas, ali, em menor número e estranhos aos hábitos dos egípcios, nosso povo foi tomado pela escravidão e, resiliente em seus costumes, perseguido.
O sonho da liberdade começa a se concretizar, então, com o chamado de D’us a Moisés que pede a libertação do seu povo da tirania do faraó. Moisés, embora israelita, havia sido criado como egípcio, e poderia ignorar o chamado e render-se ao privilégio que lhe era prestado. Contudo, com a coragem de um povo, movido pela fé em D’us, Moisés se levantou contra faraó e exigiu a libertação do povo de Israel. Para ele, não existiria paz sem liberdade. E, ainda hoje, nós nos reconhecemos nessa premissa.
A redenção de Moisés não foi apenas um marco na História que ficou no passado. Trata-se de um chamado eterno a todas as gerações que durante os dias de Pessach rememorem a escravidão por meio dos alimentos e dos rituais, como o matzá, o “pão da aflição”. É preciso rememorá-la para que nunca esqueçamos que a liberdade nos cobra resiliência e coragem.
Essa busca contínua pela liberdade, que nos lembra essa data tão importante, nasce no seio das famílias com os rituais de Pessach, perpassa a comunidade e chega até a nossa percepção de sociedade. Por essa razão os livros de Moisés vão além de milagres e fé, eles também trazem leis e mandamentos que se traduzem na garantia das liberdades de um povo. Pessach é, também, um manifesto universal pela liberdade.
A travessia pela qual Moisés conduziu o povo de Israel é tão simbólica que nos rememora aspectos e ensinamentos dos quais não podemos esquecer. As escritas sagradas nos lembram que não podemos oprimir o estrangeiro ou aquele que, por algum motivo, está em vulnerabilidade, uma vez que já fomos nós os estrangeiros nas terras egípcias e estivemos vulneráveis.
Essa percepção se traduz na vivência da nossa comunidade, onde todos devem ser bem-vindos. Também se verifica tal ensinamento em Israel, a única terra onde a diversidade encontra a liberdade e pode prosperar livremente em toda a região.
A liberdade, contudo, nos traz desafios bastante atuais, mas que, dada a contemporaneidade de Pessach, também ocorreram naquele tempo. Menachem Mendel, o Rabino de Kotzk, dizia que em um dia os israelitas deixaram o Egito, mas levou quarenta anos para que o Egito deixasse os israelitas. Isso porque, assim como vemos hoje, a liberdade nos traz dilemas. É preciso sabedoria para que ela seja pacífica e respeitosa. Já naquela época, regozijando dos ares da liberdade, eram comuns enfrentamentos entre os mesmos. E vemos, ainda hoje, como isso se repete.
Por isso, nesse Pessach tão desafiador, mais uma vez durante as restrições que nos impõem a pandemia, devemos refletir sobre o quão caro nos é a liberdade do nosso povo, mas também de toda a sociedade. A liberdade que acolhe e não reprime.”