“Queimaram nossas roupas, mas não nossa história
Floriano Pesaro, sociólogo.
Um dos episódios mais emblemáticos da perseguição nazista aos judeus na Alemanha e na Áustria se deu na “Kristallnacht”, ou Noite dos Cristais – quando sinagogas, residências, comércios e escritórios de judeus foram invadidos, vandalizados e destruídos.
Num dos ataques mais simbólicos desse período, formaram-se montanhas de livros queimados, o que caracteriza a ode à ignorância e ao autoritarismo asqueroso.
Contudo, os nazistas também destruíram uma indústria que era uma das mais promissoras de toda a Europa e, também, era dirigida por judeus: a produção de moda alemã.
Se hoje quando pensamos em moda, é natural que nos venha à mente as cidades de Milão, Paris, Londres, Nova Iorque e – há quem diga – até São Paulo, em meados do século XX, a expoente desse mercado era Berlim.
A região de Hausvogteiplatz era um conhecido e agitado distrito de moda antes da Shoah que ditava a moda na Europa produzindo tendências e peças que vestiam até mesmo a família real da Prússia.
Marcas como Manheimer, Hermann Gerson, Breitsprecher e M. Würzt & Söhne ditavam tendência no vestuário, na sapataria e no setor de malas e exportavam peças alemãs para toda a Europa, Estados Unidos e, até, para o Brasil.
O que une essas marcas a outras, estimadas em vinte e oito, eram que seus fundadores e diretores eram judeus.
À época, com a ascendência do regime nazista e com todo o ódio, extremismo, ignorância e desprezo que o seguiu, essas marcas foram queimadas – não só simbolicamente, como também seus prédios e peças – tentando apagar histórias de vida e de sucesso.
O impacto da perseguição nazista sobre a indústria da moda foi tão grande que em 1933, estima-se que haviam 2.700 produtores de moda em Berlim, em apenas seis anos esse número foi reduzido para menos de 150. Uma catástrofe de todos os pontos de vista.
Acontece que, assim como todo o regime autoritário, a Alemanha nazista não conseguiu expurgar da história a contribuição judaica à moda alemã, nem nenhum outro marco da história gloriosa do nosso povo.
Grupos empresariais alemães têm buscado reabilitar as marcas judaicas que marcaram história na moda do país e contataram os familiares daqueles judeus que viram seu patrimônio e sua história arderem no fogo do extremismo, da ignorância e do horror nazista.
Num movimento que busca ressignificar a lógica mercadológica – chamada por alguns de capitalismo consciente – busca-se reabrir essas marcas e retomar a pujança da indústria da moda alemã a partir do resgate histórico do que foi construído e tentou-se apagar.
Parte dessas famílias que hoje nem vivem mais na Alemanha, estão em direção a Berlim para trabalhar no resgaste ao legado do seu povo e da sua família.
Esse episódio lembra ainda a frase dita pelo Presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, em fevereiro deste ano durante as celebrações de 1.700 anos de vida judaica no país: “Os judeus fazem a cultura alemã brilhar”.
Não só desse país, mas também de todos os lugares em que o povo de D’us é aceito com paz e tolerância. A cooperação, a liberdade e a inovação da comunidade judaica trouxeram benefícios inestimáveis aos alemães – que agora parecem querer resgatá-los no campo da moda.
É verdade que ainda há um longo caminho para que Berlim faça frente, mais uma vez, à Paris, Milão e Nova Iorque no mercado da moda internacional. Contudo é reconfortante saber que histórias não se apagam.
Não importa o tamanho e a violência com que o ódio e a intolerância se aplicam em determinado momento da história, o que é construído com honestidade e dedicação – sejam famílias, empresas e até ideias – nunca podem ser apagados e Hausvogteiplatz será testemunha disso.”
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