Os números da violência no Brasil não param de nos indignar. Dados do Atlas da Violência 2018, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado na última semana, registram recorde vergonhoso: 63.880 homicídios em 2017, ou 175 assassinatos por dia, índice de 30,8 mortes por mil habitantes. Norte e Nordeste puxam a estatística para cima e São Paulo é o Estado menos violento no mapa.
Para os especialistas, o cenário não deixa dúvidas: a maioria dessas mortes acontece na guerra entre as facções criminosas que disputam o controle do tráfico de drogas para filiar novos integrantes e expandir seus mercados. Os números confirmam. Quase 53% dos homicídios são de homens jovens (entre 15 e 29 anos de idade), exatamente a faixa da população onde são recrutados os soldados do tráfico.
Desestimulados por escolas precárias e educação de baixa qualidade, sem atendimento básico de saúde adequado, sem oportunidade de inserção no mercado de trabalho, os jovens perdem a perspectiva de futuro, de poder construir uma vida melhor. Eles são atirados no colo da criminalidade, já que, nas comunidades mais vulneráveis, são as facções que oferecem alguma perspectiva de “progresso” para os que foram alijados da possibilidade de ascensão social.
A questão premente que se coloca é como evitar que comecemos a encarar a violência endêmica em que vivemos, como algo natural e inevitável. A abordagem repressiva é essencial para pôr um fim à guerra das facções. Controle rigoroso dos quase 17 mil quilômetros de fronteiras secas do Brasil, para coibir o tráfico de drogas e de armas; integração das polícias em várias instâncias; e inteligência no combate ao crime organizado, como defende Geraldo Alckmin, são urgentes. Mas não excluem a necessidade de atuarmos nas causas.
“Combata a causa, o efeito cessa”, Alckmin advoga. Isso não é simples, mas é a única forma de evitar que o desânimo e o desamparo tomem conta do espírito das pessoas. Não é simples, porque as causas da violência são múltiplas e seu aumento vai além da questão criminal, impacta profundamente as relações sociais, incluindo nossa predisposição para a democracia. De acordo com dados da organização internacional de cientistas sociais World Values Survey (WVS), apenas 7% dos brasileiros afirma confiar em outras pessoas, ao passo que o índice passa dos 60% nos países escandinavos.
É preciso atuar nas causas da violência com medidas de segurança social: acesso à saúde, educação de qualidade, alimentação e moradia adequadas. O objetivo é construir e manter uma rede de proteção social que dê tranquilidade aos pais para criarem seus filhos com saúde e dentro das creches e escolas (portanto, longe do ócio das ruas); que garanta aos cidadãos a possibilidade de envelhecer com dignidade (e não com a perspectiva apavorante da penúria); que permita aos jovens descobrir seus talentos, alimentar seus sonhos e ir em busca de realização pessoal.
Isso é construir uma cultura de paz. É atuar para que a violência deixe de ser habitual como tem se tornado. A contenção e a repressão são necessárias para a garantia da segurança. Mas é no front social que se ganha essa guerra.