Nos últimos dez anos, mais de meio milhão de mortes intencionais foram registradas no Brasil. A situação é alarmante: o homicídio é a causa da morte de 56,5% dos homens jovens entre 15 a 19 anos, sendo que, desse total, 71,5% são pardos ou negros. No caso dos estupros, 68% são cometidos contra crianças com idade igual ou inferior a treze anos.
Vivemos um quadro de violência endêmica que, para além da questão criminal, impacta profundamente as relações sociais, incluindo nossa predisposição para a democracia. Mesmo não sendo vítimas diretas de ações violentas, o simples fato de viver em um ambiente de tamanha hostilidade retira dos indivíduos a capacidade de acreditar na possibilidade de progresso, de futuro, de oportunidade de construir uma vida melhor. De acordo com dados da organização internacional de cientistas sociais World Values Survey (WVS), apenas 7% dos brasileiros afirma confiar em outras pessoas, ao passo que o índice passa dos 60% nos países escandinavos.
A questão premente que se coloca é como evitar que comecemos a encarar a violência como algo natural e inevitável. A abordagem repressiva trata apenas dos sintomas. É preciso atuar nas causas da violência. Isso não é simples, mas é a única forma de evitar que o desânimo e o desamparo tome conta do espírito das pessoas. Em outras palavras, precisamos construir o que chamo de uma cultura de paz.
Não é simples, porque as causas da violência são múltiplas. Mas existe um ambiente propício à disseminação da violência que se atacado com determinação e de forma sistêmica evita que ela se espalhe, principalmente entre os jovens. Esse conjunto é formado por condições sociais instáveis que se conhecem bastante bem: saúde e educação precárias, desemprego, alimentação deficiente, condições insalubres de moradia. Desse quadro derivam agressividade doméstica (provocada pelo estresse constante), exploração de menores – as crianças não vão à escola para trabalhar ou esmolar – aliciamento de jovens pelo tráfico de drogas e uma completa inversão de valores. “Heróis” a serem imitados passam a ser aqueles que “se dão bem” — ainda que sejam criminosos — e não os cidadãos de bem, cada vez mais raros e sofridos.
Essa é a realidade que temos no País hoje. Atacá-la exige o envolvimento do poder público, da sociedade civil organizada, das comunidades, articulados e atuando em conjunto. O objetivo é construir e manter uma rede de proteção social que dê tranquilidade aos pais para criarem seus filhos com saúde e dentro das creches e escolas (portanto, longe do ócio das ruas); que garanta aos cidadãos a possibilidade de envelhecer com dignidade (e não com a perspectiva apavorante da penúria); que permita aos jovens descobrir seus talentos, alimentar seus sonhos e ir em busca de realização pessoal.
Isso é construir uma cultura de paz. É atuar para que a violência deixe de ser habitual como tem se tornado. A contenção e a repressão são necessárias para a garantia da segurança. Mas é no front social que se ganha essa guerra.